sexta-feira, 14 de maio de 2021

Crônica: “A-bestado” ... e outros causos

A-bestado

No interior de Catarina, sertão cearense, a escola no máximo lhe ensinara quem eram Papai Noel e Pedro Álvares Cabral, quais os seis sentidos do cristão, quanto vale 5x1 - 2 2, onde ficava o leste do Acre, em que ano o homem botou os pés na lua... No entanto, era o suficiente para Deonésio Vale (querido primo) aprender e submeter-se à prova de balconista na padaria de um tio nosso. A rigor, o velho tio Emídio estava selecionando profissionais também para o setor de marketing.

Só não se sabe até hoje por qual motivo a prova de conhecimentos digitais caiu nas mãos de Deonésio, perito na criação de cabras leiteiras. Logo na primeira questão o engasgo - escrever os significados de e-mail, e-commerce, e-book, e-learning... A última questão? Uma análise do que o candidato pensava sobre si mesmo: "Defina-se em quatro palavras. Trazendo na 'caxola' as dicas da mãe em relação ao exame, de nada deixar em branco, falar sempre a verdade e observar "os sinais ao redor", escreveu o que julgava fosse ele:

- Um grande a-bestado!

Pobre é a imagem do cão!

Do mesmo Deonésio Vale, a melhor (e analítica) definição de liso que já li entre todos os pensadores da história - de Sócrates a Jair Morais. A seguinte: "O liso é um semovente a perigo, sem dinheiro, lascado, sem um pau pra dar num gato, 'aperriado', com o cu na ratuêra, num coquêro medonho, duro, enforcado, apertado, sem um vintém, numa dipindura monstra, sem um puto no bolso".

Mais: "O Exmo. Liso vive num liliu medonho e no maior coqueiro, vendendo o saco pra pedir esmola; é um miado, no ponto de passar a lixa, na lona, na tanga, na maior pindaíba, é um ponta de cigarro, quengado, quebrado, distiorado, rebolando cachorro n'água, altamente Santa Casa, sem condição de comprar uma broa, teso, tisgo, dequedente, lascado, vendendo o almoço pra comprar a janta..."

Em uma frase: "O liso está para o cearense assim como o "looser" está para o americano. É um leprento!"

A missa antes do enterro

A filha Doraneide cuidou de tudo: cirurgia do pai seria logo após o aniversário (de 78 anos) dele, por isso a cama especialmente adaptada encomendada há pouco. Plano de saúde informou qual o hospital, o médico, o tipo da prótese de quadril, duração média da operação. Até os exames preliminares estavam marcados; pelo jeitão, seu Zé estava no jeito. Sabia até que ficaria 15 dias sem poder pisar no chão. E aí, brabo que nem siri na latra, veio o imbróglio. "Só se opero depois da cadeira de roda comprada!"

- Papai, isso é detalhe. Na sequência a gente aluga...

- Alugar? Negatofe! Tudo pra mim é pei bufo! Dinheiro na ruma!

- Ok, compramos a cadeira, mas se opere primeiro!

- Como é que um homem se opera sem a garantia da cadeira ali, ouvindo a conversa?

- E senão for necessário?

- Tá querendo dizer que eu vou bater as botas, é?

- Não, pai. Vai que uma muleta ou uma bengala resolve...

Aí seu Zé deu a cartada final, esse algo até então desconhecido da ciência:

- Vocês precisam entender o submundo psicológico de um homem de 78 anos com os quartos quengado!!!

Fonte: O POVO, de 13/11/2020. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

Um comentário:

  1. Hoje conversando com minha mãe e minha tia, elas falaram em dequedente, algo que eu nunca tinha ouvido falar. Encontrei outras palavras aqui e elas também sabem o que é distiorado e tisgo, palavras que eu não conhecia também.

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