Por André Haguette
(*)
A ciência
nos aproxima, pelo menos provisoriamente, de algo que podemos considerar a
verdade, embora ela seja incapaz de nos fornecer os significados que
precisamos para decidirmos como viver nossa vida.
Esses
significados tão necessários – sentido da vida, do trabalho, do amor, do
sofrimento, da história e, mais do que tudo, o sentido da morte, da
minha morte – esses significados escapam não somente ao escopo da ciência como
a sua metodologia.
O
conhecimento científico é de difícil definição porque as ciências diferem entre si por
seus objetos, seus instrumentos, suas metodologias. Mesmo assim é possível
dizer que elas se caracterizam por progredirem pela "organização coletiva
de controvérsias científicas.
Elas
não são proclamações individuais...Nas palavras de Popper, elas procedem da
cooperação amigavelmente hostil de cidadão da comunidade do saber",
escreve Étienne Klein.
Entre
outras palavras, indivíduos ou mesmos equipes de indivíduos pesquisam e
publicam seus achados, mas é a comunidade científica que os
promulga como válidos ou não.
Esse
conhecimento reconhecido, porém, nunca é definitivo; fica sempre provisório na
espera de denegação comprovável de suas teses e argumentações.
Embora
ele seja um saber que se renova sem cessar em busca de mais verdade, o
conhecimento científico está em toda parte da vida cotidiano contemporânea:
alimentação, medicina, transporte, comunicação, segurança etc.
A
ciência progride sem jamais chegar a um término. Mesmo assim, ela é nosso
passaporte contra a não-verdade, o charlatanismo, o obscurantismo e
o fanatismo da opinião que se faz certeza quando mil vezes repetidas em mídias
sociais.
A
opinião foge da controvérsia e da prova; ela escapa pelo vezo da
subjetividade e do capricho individuais, não buscando o aval de uma comunidade
crítica de pesquisadores.
Não
possui a humildade da dúvida e da busca. Ela se basta a si mesma na falsa
certeza de possuir a verdade das coisas na razão inversa de sua própria
ignorância.
Mas
se o saber científico representa muito, ele não é tudo. Ele tem a virtude de
nos informar, de nos esclarecer, não de decidir por nós. Se ele apresenta
cenários, são indivíduos e grupos que decidem em função dos
sentidos que dão a suas ações.
Nisso
a ciência não pode ajudar; ela deixa ao bel prazer de cada um a
responsabilidade de suas escolhas. Saber não significa agir; agir pressupõe um
sentido, e é justamente aqui que a vida humana adquire sua dramaticidade e até
a sua tragicidade.
Cada
indivíduo com os outros há de traçar seu próprio caminho. Nisso reside a
solidão de sua liberdade.
O
tempo sombrio da pandemia expõe a necessidade de fugir do achismo sem que a
ciência tenha dominado a Covid-19, margem de incerteza que não
significa ausência de verdade, mas verdade em progresso.
Por
outro lado, fica clara a necessidade de cada um dar um sentido a sua vida como
à vida da coletividade.
Eis
a encruzilhada na incerteza: escolher o mais humano, o menos letal
ou apostar no risco, na insensatez da ignorância e da opinião. O conhecimento
científico propõe explicações, os indivíduos dispõem de sua própria sorte e da
dos outros.
(*)
Sociólogo. Professor aposentado da UFC.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 26/04/21. Opinião, p.23.
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