Essa catapora que
tá dando aí!
A
sobrinha Dilurde telefonou e a pessoa da prefeitura disse que tava tudo
acertado: seu Dandão, avô dela, seria vacinado no posto de saúde da Sariema no
dia 15, às 14 horas e 13 minutos. Recado dado. Sem entender muito bem o que se
passava no mundo (meio broco, meio mouco), o velho disse "eu vou e é
ligêro!". Era a primeira das duas doses da Coronavac.
-
Pois é, vô! Nem dói!
-
Hômi! Diabo é uma dose pra quem já bebeu o que eu bebi de Douradinha!
-
Brinque não, seu Dandão! E num deixe ninguém chegar perto do senhor!
-
Quem é o doido que fica perto dum véi liso? Essa catapora que tá dando no povo
aí é osso pra póbi!
-
E quando for se vacinar, lembre de botar o elástico dos seus óculos (fundo de
garrafa modelo telescópio Hubble), mode não cair!
Dandão,
93 anos, confunde-se e às 13 horas e 15 minutos do dia 14, sem combinar com a
neta, está no portão do posto da Sariema. É o segundo da fila. Conversa vai,
conversa vem e pedem que volte no dia seguinte, data correta da vacinação. O
velho embrabece; começa uma araca. Polícia é chamada. A assistente social chega
enfim para acalmar a zanga geral.
-
Sua idade, seu Gildásio Silva Moura?
-
Sou do 28! E pode me chamar de Dandão, seu criado!
-
Vixe! - assistente abismada com a data de nascimento. - Tá na peinha de nada,
ele! Vacinem ligeiro!
-
Deitado! Vacina nos quartos!
-
Pois tire os óculos...
Pronto,
Dandão recebe a primeira dose do imunizante. Volta pra casa. Meia hora depois
começa a sentir vertigem, "vista truva", cansaço na croa do quengo,
distensão no pau da venta, sobrancelha variando, taba do queixo vibrando,
vontade de se lascar, gastura na bolota dos ói. Pede socorro a Dilurdes.
-
Tô prejudicado! Fui tomar a vacina indagorinha e o telhado tá rodando! Será
efeito colateral?!?
-
Vô!!! Era amanhã, e o senhor já foi hoje tomar a vacina, sozinho! Agora o jeito
é telefonar pra lá!
A
moça do posto da Sariema informa que seu Dandão deve voltar imediatamente, para
analisarem o caso. Estranho, primeira reação adversa no planeta. Foi na garupa
duma bicicleta até a Sariema. Está frente a frente com a enfermeira que lhe
aplicou a abençoada vacina. Ao vê-lo, a devotada e sensível profissional, mui
gentilmente...
-
Seu Dandão, tome seus óculos, o senhor esqueceu na maca!
Óculos
fundo de garrafa - modelo telescópio Hubble - na cara e súbito o homem sente o
mundo normalizar.
-
Passou, fia! A vacina da catapora começou fazer efeito!
O último Bastião
Quando
o Poeta dos Cachorros me ligou choroso para contar da morte de Tonico Bastião
(Bastiãozim), derradeiro filho vivo de finada Corina Sebastião, lembrei-me de
Arcádia, "região mítica e paradisíaca da Grécia antiga, onde não havia
crimes, porque não havia inveja. Não sofria com as guerras e dissensões que
destruíam as polis helênicas. Era o último bastião da beleza, da justiça e do
saber". Do Poeta pesaroso ouço atento o que há pouco se passou fatal no
solar dos Sebastiões:
-
E dos seis meninos de finada Corina, o derradeiro Bastião se enterrou ontem...
Em
tempo: Os seis Bastiões eram Joca Bastião, Neto Bastião, Luquinha Bastião, Moca
Bastião, Quinca Bastião e esse aí que bateu as botas - Tonico...
Fonte: O POVO, de 18/2/2021. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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