Convidado do Projeto Palavras, escritor, diretor e médico cearense Ronaldo Correia de Brito reflete sobre literatura e os cenários de pandemia e da cultura no Brasil
Por Miguel Araújo, jornalista de O Povo
Pensamentos para além da
literatura: com essas possibilidades, a primeira edição do Projeto Palavras se
encerra neste fim de semana com as participações da cantora, atriz e escritora
Bia Bedran e do dramaturgo, diretor de cinema, médico e escritor cearense
Ronaldo Correia de Brito. As canções e histórias do universo infantil
apresentadas por Bia Bedran ocorrerão hoje, dia 15, enquanto que os pensamentos
de Ronaldo sobre sua obra e o que envolve a pandemia no Brasil serão
contemplados nesta sexta-feira, 16/7/21.
A conversa desta
sexta-feira será mediada pelo secretário de Cultura do Ceará Fabiano Piúba e
englobará tanto discussões sobre a obra de Ronaldo Correia quanto reflexões
sobre o atual contexto literário nacional, em um momento de “desprestígio da
literatura”, segundo o autor. O encontro também busca contribuir para a “defesa
do livro e da leitura”.
Natural do município cearense de Saboeiro,
Ronaldo Correia de Brito se radicou no Recife. Sua obra literária carrega
traços da cultura popular nordestina, identidades, experiências pessoais e
deslocamentos. Suas produções na literatura já percorreram contos, crônicas,
livros infantojuvenis e romances como “Galileia” (vencedor do Prêmio São Paulo
de Literatura" e “Dora sem Véu”.
Recentemente, lançou a coletânea “A Arte de
Torrar Café: narrativas além da ficção”, com 55 textos que trazem temas como
lembranças da infância no sertão, memórias de entes queridos falecidos nos
últimos anos e passagens por lugares como Florença, Buenos Aires, Paris e
Juazeiro do Norte.
Finalizado em dezembro de 2019, o livro tinha
previsão de lançamento para o começo de 2020, mas, devido à pandemia, só foi
disponibilizado em fevereiro deste ano. Apesar de trazer textos escritos antes
do período pandêmico, o trabalho, para Ronaldo, consegue ser bastante atual: “É
incrível como o prefácio e os textos são atuais, como eles se referem ao que
nós estamos vivendo. Isso me deixou muito feliz, porque me convenceu de que o
meu texto não é datado. Ele é para ser lido em qualquer tempo”.
Entre tantos
momentos marcantes registrados na coletânea que traz passagens por diferentes
locais, culturas e tempos, ele cita a ocasião em que, ao visitar um café em um
bairro de Paris “habitado por árabes e africanos”, teve a sensação de que
estava “entrando em um lugar do Brasil”. “Isso me dá uma consciência muito
intensa de como nós somos capazes de deslocar nossas identidades pelo planeta,
a identidade que nos forma e a identidade do lugar que nos forma”, lembra.
As passagens temporais são marcas da escrita
do cearense. “Eu reflito sobre o passado, comparo ao presente e intercorro
sobre o futuro”, comenta. Nas “narrativas além da ficção” trazidas pelo autor
em seu livro, uma consegue fazer ponte com um evento recente: a torcida pela -
ou contra - a seleção brasileira de futebol.
Como lembrado por Ronaldo, ele chegou a torcer
contra a seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970, realizada quando o País
enfrentava a ditadura militar. O texto reflete sobre o sentimento de um
(suposto) nacionalismo provocado pelo futebol em meio a uma realidade difícil
para os brasileiros.
Com a realização da Copa América em solo
nacional em plena pandemia, também foi possível perceber um movimento de
torcida contra a seleção especialmente na final do torneio. “Torcer pela
Argentina significou torcer contra o atual governo, que tentou trazer essa copa
para o Brasil como mais um ópio em meio ao seu fracasso administrativo e
governamental”, aponta Ronaldo.
“Um desastre total”, avalia Ronaldo Correia de
Brito sobre a condução do enfrentamento à pandemia pelo governo federal. A
realidade brasileira, aliás, parece mais uma ficção para ele, tamanhos são os
“absurdos” vistos no País e investigados pela Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) da Covid. Diante de tantos acontecimentos, o lugar dos escritores
ficcionistas acaba sendo outro:
“O Brasil é uma ficção tão delirante que sobra
pouco espaço para a ficção dos ficcionistas. É tão absurdo tudo o que acontece
aqui que, se não tomarmos cuidado, a nossa literatura vai acabar ficando a
serviço de discursos políticos”. Para ele, esses discursos, “tanto os de
direita como os de esquerda”, são perigosos para a literatura, pois “podem
transformá-la em um panfleto”. “A representação da realidade em arte não é a
mesma coisa que jornalismo”, acrescenta.
A escrita e a
produção se intensificaram para o autor neste período e se tornaram
alternativas para melhor enfrentar esse cenário, trazendo olhares de alguém
“afetado pelo isolamento” em suas criações. Na visão do escritor, a “ruptura”
com pessoas de sua convivência, como brincantes populares, foi o que mais o
impactou. Mesmo assim, lembra que foi possível realizar algumas produções, como
no ano passado o filme do “Baile Menino Deus”, espetáculo criado e dirigido por
ele.
Falar sobre a pandemia acaba sendo inevitável,
pois ela atinge vários aspectos sociais, econômicos e também culturais. “A
pandemia, sem dúvidas, nos colocou em um tempo fora do tempo, em uma bolha
temporal que nos permitiu enxergar com mais clareza as realidades do País”,
comenta Ronaldo.
Quanto à condução do setor da Cultura pelo
governo federal, Ronaldo considera que ela tem sido feita por pessoas
“completamente alheias e alienadas” ao segmento, e analisa que as ações tomadas
têm “castigado” a área. “São pessoas que foram colocadas como paralisantes da
Cultura”, define.
A conversa que encerrará a programação do
Projeto Palavras também abordará planos do escritor em tempos de pandemia.
Projeto
Palavras
Bia
Bedran
Quando: nesta quinta-feira, 15, às 19 horas
Ronaldo
Correia
Quando: nesta sexta-feira, 16, às 17 horas
Onde: @palavras.projeto no
Instagram e Bece
no YouTube
Fonte: O Povo, de
15/7/21. Vida & Arte. p.3.
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