E o minuto
despencou do coração das horas
70
anos matrimoniados, padre e civil, e os dois passam hoje dos 90 de idade. E
ainda se pegam em brigas homéricas por besteira, que nem a moçada d'agora - por
pouco, mais ou nada. Na verdade, dona Menina e seu Zé sempre se conheceram se
azunhando, e ainda hoje se estranham - é o peixe insosso da janta, o inevitável
vizinho bonequeiro, a chuva nas coivaras, o Ferrim que empata, ganha ou
perde...
Por
derradeiro, a coisa tem piorado bastante. E ele é sempre o pivô da imbuança. De
natureza essencialmente braba, à moda cassaco criado longe dos pais, seu Zé tem
o agravante das oiças curtas, que o leva a confundir entendimentos simplórios e
coicear quando dona Menina lhe tira a pagode. Tem também a inexistência de uma
programação interiorana que preencha as horas vazias dele, cristão acostumado a
labutar pesado desde os cueiros.
A
última deles: faltou papel higiênico no azado instante em que o velho arreava o
barro matinal, em apreciável propedêutica. Gritou da privada, ainda sentado:
-
E agora, dona Menina? Quedê o papel pra eu me alimpar?
Para
ela, melhor ocasião de vingar-se não havia:
E
essa garrafa de álcool a 70% aí na pia do banheiro, tá pôde? Bote a máscara!
O papoco do
termômetro
A
febre de Glorita preocupava. Com o agravante de não se saber donde vinha aquela
temperatura medonha. Teria sentado em calçada quente e pegou um estalecido
federal? Ou o banho de açude bem cedo, mergulhando em água gelada? Quem sabe o
queixal inflamado, o zumbido no ouvido direito infeccionado... Pensou-se até em
desarranjo "intestinal a nível de tripa" (por conta da coalhada
tomada na madrugada, escondida da mãe) o motivo da febre, fazendo a moça pedir
penico naquele instante.
Enfim,
alguém lembra do telefone do Dr. Osires Gusmão, homem caridoso que sem dúvida
ajudaria a descobrir que diabo de febre era aquela na jovem; se ligar, ele diz
ligeirinho o que é e passa um remédio que é tira e queda. A mãe de Glorita faz
a ligação, tanto receosa. O medico atende e a primeira pergunta é: "Quanto
ela tem de febre agora, mãe?" A resposta, pra meter medo no esculápio, não
deixou dúvida acerca do real estado da filhinha amada:
-
40 graus à sombra, doutor!!!
A coragem de
mamar numa onça
Aconteceu
em comunidade praiana um pouco distante da cidade. Tudo porque o dono casa
falou ao caseiro Gualberto (acompanhado da mulher e do filho) sobre "uns
tais tsunamis", a voragem das ondas gigantes do mar que avançam por terra,
destruindo o que aparece pela frente. Explicava que o fenômeno acontecera na
Indonésia alguns anos atrás, pintando com cores mais fortes o desastre natural.
Caseiro e família assustados com o relato devastador. Quanto mais o dono da casa
bodejava, mais os nativos se horrorizavam.
E
o que é pior: se aconteceu lá, pode acontecer aqui também. Tá vendo esse mar aí
em frente, avançando? São sinais! São sinais!
Terminada
a preleção, Gualberto, resoluto, falou pra mulher e filho:
Tenham
medo não, viu? Vocês vão ver só! O bicho é feio, mas eu...
Cedinho
do dia seguinte, armado de cacete e peixeira, lá encontramos o destemido
caseiro pronto pra "quebrar de pau o tsunami metido besta que inventar de
aparecer por aqui".
E
fresque pra ver uma coisa, seu 'tisumanha'!!! Leva é facada nos vazi!
Fonte: O POVO, de 3/9/2021. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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