A minha ave de Natal!
É
tudo uma questão de bom senso, com uma coisinha de nada de audição melhor para
que o todo seja melhor compreendido.
Morávamos em São Gerardo, perto da
igreja homônima. Casa de esquina, minissítio que ia duma ponta a outra do
quarteirão, entre as ruas Dom Rego (hoje Dom Manuel) de Medeiros e Azevedo
Bolão. Por esse tempo, meu avô Simão Emídio, já velhinho, tinha propriedade em
Caucaia, no Buriti, proximidades do Garrote.
Todo começo de mês de lá vinha à cidade
o caseiro seu Chicó, trazendo para o "patrãozim" os frutos melhores
do terreno, no lombo duma burra - da manga e da rapadura ao murici, à siriguela
e à galinha caipira viva. Chegava cedo pra cedo voltar; viagem longa e
sacrificosa.
⁃ Cumpade Simão, cumade Mariinha, bom
dia!
- Bom dia, Chicó! Disapêie o animal,
bote abaixo a mercadoria, almoce e descanse... - pedia vovô alegre.
Começo de dezembro de 1969, eu era menino,
mas lembro bem, seu Chicó, ao despedir-se, montado já na alimária, pede
otimista à vovó, igualmente velhinha, precária das ôiças:
- Minha cumade, volto aqui no dia 23 do
corrente pra trazer umas cajás... Não esqueça minha áve de Natal, viu?!?
- Tá certo, Chicó! Vá com Deus e pomba
do Divino, que é branca!
Por que Chicó pediu a "ave de
Natal"? Dona Eloísa, bodegueira vizinha dos meus avós, tinha novidade em
seu estabelecimento, o que chamou visceralmente a atenção do caseiro de vovô:
árvores de Natal belíssimas, enfeitadas de bolas vermelhas e estrelas amarelas,
com lâmpadas piscando e até neve. Chicó, passando por lá pra tomar uma bicada,
viu a coisa e se encantou.
No dito dia 23/12/1969, tal como
combinado pelo caucaiense humilde para trazer "as festas" dos patrões
e pegar as dele, como foi ele recebido por vovó? Com uma "galinha
cheia" (assada e cheia de farofa dentro). Chicó se espanta.
- Beisso, cumade Mariinha?
- Tua ave de Natal, Chicó!
- Mas eu falei áve!!!
- E a galinha é o quê?
- Uma ave!
- Ave de póbi é galinha, peru é pra povo
rico!
- A áve que eu falei é que nem a da dona
Eloísa!
Vovô, ouvindo a conversa atravessada,
entendeu tudo. E foi comprar a árvore de Natal que seu Chicó tanto queria, na
dona Eloísa.
Essa é do amigo Giovani Oliveira
Toinho, oito anos, morador do Tabuleiro,
foi acompanhado da mãe, na véspera do Natal, à casa de sua madrinha, senhora
conhecida por ser rica e muito mesquinha. Lá chegando, o menino toma a bênção e
a madrinha, logo após, se retira por alguns instantes. O afilhado, pensando que
ela havia ido buscar seu presente natalino, fica surpreso quando a observa com
um pedaço de pão seco, e lhe entrega o mimo. A mãe de Toinho, que assistia a
tudo, fala pro filhote:
- Toinho, meu filho, como é que a gente
diz?
- Madrinha, não tem uma manteiguinha aí
não?
Fonte: O POVO, de 24/12/2021.
Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos.
p.2.
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