terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

A ENCHENTE E EU

Por Vladimir Spinelli Chagas (*)

Neste 26 de dezembro, o Sul da Bahia foi surpreendido com o avanço avassalador das águas do Rio Cachoeira, em direção à sua foz no Oceano Atlântico, em Ilhéus.

Em minha Itabuna, onde o Cachoeira divide a cidade em dois lados, essas cheias trazem muitos transtornos. Rapidamente as águas atingem as casas mais ribeirinhas e logo chegam à zona do comércio, na principal avenida, a Cinquentenário.

Esta é a época em que o rio faz esses espetáculos e assim tem sido desde que Itabuna ainda era Tabocas, com o registro de algumas cheias importantes.

A deste ano traz um rol de lembranças muito fortes de exatos 54 anos atrás, quando o Cachoeira apossou-se de grande parte da cidade, espraiando suas águas em todas as direções e atingindo níveis ainda recordes: a enchente de 1967.

Eu vivenciei a maior de suas cheias. Na noite de 26 eu saia da casa da namorada, na Cinquentenário. Chuva miúda, mas um avanço de águas por conta das precipitações em suas cabeceiras, quando ainda é Rio Colônia.

Percebendo esse rápido subir das águas, passei na agência do banco em que era subgerente para ver a situação. A água já começara a invadir. De imediato fui à residência do gerente, peguei as chaves, voltei à agência, abri as portas e pus-me a colocar, principalmente os papeis importantes, em locais mais elevados.

Em poucas horas precisei suspender a lida, pois as águas já me passavam da cintura. Ao sair, estavam na altura do peito e eu ilhado. Não tinha como ir para casa. Não havia acesso. Noite em claro, na Praça Adami, com tantos outros surpreendidos por aquele fenômeno.

Pela manhã, na tentativa de atravessar a Cinquentenário, fui arrastado pela correnteza. No risco, surpreendentemente fiquei calmo e pude aflorar à superfície, me agarrar ao toldo de um açougue e chegar ao telhado. Dali fui resgatado com o auxílio de uma boia.

O Senhor Gonçalves, que providenciou esse resgate, deu-me abrigo em seu apartamento durante todo o dia. No início da noite, com as águas já escoadas, pude enfim ir para casa, onde meus pais e irmã me esperavam ansiosos. Afinal, não tínhamos telefone e não existiam celulares... 

(*) Professor da Uece, membro da Academia Cearense de Administração (Acad) e conselheiro do CRA-CE.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 31/01/22. Opinião, p.18.

Nenhum comentário:

Postar um comentário