Por Eduardo Jucá
(*)
Quando me dirijo ao Hospital Infantil Albert
Sabin, geralmente acabo escolhendo um caminho mais longo, que passa pela Rua
Graciliano Ramos. É que ali, no número 210, morava minha avó. No lugar das
grades há hoje um muro alto, mas através dele ainda posso ver uma palmeira na
varanda, uma cachorra amistosa e o movimento de tios e primos em datas
festivas.
A memória de longo prazo é assim. Guarda
em áreas especiais do cérebro acontecimentos e cenários ancestrais, que compõem
uma trajetória. Podemos esquecer fatos recentes e dados que tentamos manter em
mente. Ao mesmo tempo, um passado distante persiste armazenado, pronto
para aflorar diante dos gatilhos certos.
Essa memória pode até sofrer adaptações no tempo e
não corresponder exatamente à realidade vivida. No emaranhado das sinapses, é
comum que duas pessoas discordem sobre circunstâncias do mesmo fato antigo
presenciado. Como disse Garcia Marquez, a história de uma pessoa é
representada muito mais por suas lembranças do que por aquilo que realmente
viveu.
De fato, a memória permanente e a de curto prazo
estão ligadas a locais diferentes do cérebro. A de curto prazo, com dados
descartados após o uso imediato, está ligada ao hipocampo, uma das áreas mais
primitivas do córtex cerebral. Essa área é a primeira atingida na doença
de Alzheimer, e por isso os pacientes em fase inicial esquecem informações do
cotidiano, mas mantêm lembranças da juventude.
O cérebro tem critérios para definir quais
lembranças ficarão para sempre. Momentos que provocam emoções fortes, por
exemplo. O organismo interpreta que se um momento ou um cenário foi
emocionalmente impactante, ele foi importante. E se foi importante, fica
guardado na memória.
Diante disso, é preciso compreender que, a cada
momento, nas relações pessoais ou no mundo do trabalho, estamos
contribuindo para construir as memórias, nossas e das pessoas ao redor. Deixar
uma marca que permaneça como algo agradável a longo prazo é também contribuir
para que a história de cada um seja repleta de afetos positivos. Algo bom como
passar em frente à antiga casa dos avós.
(*) Médico
neurocirurgião pediátrico, professor, pesquisador e palestrante.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 12/02/2022. Opinião. p.18.
Nenhum comentário:
Postar um comentário