terça-feira, 29 de março de 2022

A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA

Por Eduardo Jucá (*)

Quando me dirijo ao Hospital Infantil Albert Sabin, geralmente acabo escolhendo um caminho mais longo, que passa pela Rua Graciliano Ramos. É que ali, no número 210, morava minha avó. No lugar das grades há hoje um muro alto, mas através dele ainda posso ver uma palmeira na varanda, uma cachorra amistosa e o movimento de tios e primos em datas festivas.

A memória de longo prazo é assim. Guarda em áreas especiais do cérebro acontecimentos e cenários ancestrais, que compõem uma trajetória. Podemos esquecer fatos recentes e dados que tentamos manter em mente. Ao mesmo tempo, um passado distante persiste armazenado, pronto para aflorar diante dos gatilhos certos.

Essa memória pode até sofrer adaptações no tempo e não corresponder exatamente à realidade vivida. No emaranhado das sinapses, é comum que duas pessoas discordem sobre circunstâncias do mesmo fato antigo presenciado. Como disse Garcia Marquez, a história de uma pessoa é representada muito mais por suas lembranças do que por aquilo que realmente viveu.

De fato, a memória permanente e a de curto prazo estão ligadas a locais diferentes do cérebro. A de curto prazo, com dados descartados após o uso imediato, está ligada ao hipocampo, uma das áreas mais primitivas do córtex cerebral. Essa área é a primeira atingida na doença de Alzheimer, e por isso os pacientes em fase inicial esquecem informações do cotidiano, mas mantêm lembranças da juventude.

O cérebro tem critérios para definir quais lembranças ficarão para sempre. Momentos que provocam emoções fortes, por exemplo. O organismo interpreta que se um momento ou um cenário foi emocionalmente impactante, ele foi importante. E se foi importante, fica guardado na memória.

Diante disso, é preciso compreender que, a cada momento, nas relações pessoais ou no mundo do trabalho, estamos contribuindo para construir as memórias, nossas e das pessoas ao redor. Deixar uma marca que permaneça como algo agradável a longo prazo é também contribuir para que a história de cada um seja repleta de afetos positivos. Algo bom como passar em frente à antiga casa dos avós. 

(*) Médico neurocirurgião pediátrico, professor, pesquisador e palestrante.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 12/02/2022. Opinião. p.18.

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