Meraldo
Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Observo
que há uma espécie de daltonismo globalizado. Permita-me relembrar o que seja
esta palavra para melhor me fazer entender aos que não são oftalmologistas.
Termo criado por John Dalton (1766-1844), físico e químico inglês que sofria
dessa incapacidade para diferenciar cores, como entre o vermelho e o verde…
Quando o setembro
amarelo se tornou encarnado pelo número de mortes e agora com a chegada do mês
de outubro alcunhado “cor de rosa” como o mês da prevenção do câncer de mama,
creio que todas essas denominações tiradas do espectro ótico não passam de uma
jogada de estratégia de mercado, aplicada à exploração do sofrimento humano,
que dá tão certo para o aumento do consumismo nos tempos atuais.
A exposição ostensiva e a informação
conflitante dos noticiários sobre a atual pandemia do coronavírus aliada à
mixagem política, aqui entendida como o uso de uma abundância de fontes
sonoras, visuais e vibratórias, combinadas, aproveitando os avanços
tecnológicos, causa reboliço nas nossas já complicadas vidas. Na verdade,
passaram a ser caixa de ressonância das inseguranças atávicas em que vive o ser
autodenominado Homo Sapiens.
O poeta grego Ovídio (43 a.C.- 17 D.C.)
versou durante uma das pragas de Atenas: “Matar o medo da morte com as próprias
mãos”. Adianto ao leitor serem o medo, a insegurança e tantos outros elementos
associados às incertezas políticas e econômicas os ingredientes para a
ansiedade, a causadora do acréscimo de suicídios. E para não ficar
citando poetas da antiguidade valho-me do exemplo da Primeira Grande Guerra
(1914-1918), sua seguinte gripe espanhola e do termo novo normal.
Relembro. A tal da gripe espanhola detonada
logo após essa conflagração matou cerca de 50 milhões de pessoas, segundo
afirmaram alguns profissionais da imprensa da época – antes do computador – e
causou um aumento de quase um terço nos suicídios na Europa. Parece-me que nada
foi aprendido ou desaprendido pois pouco depois estourou a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945), palco dos piores genocídios da História.
Afirmar que as
pandemias mudarão as sociedades da espécie do nosso grupo animal não passa de
uma jogada de ‘marketing’, empregando os avanços tecnológicos que emergem à
tona da estupidez social e política, acontecendo em paralelo à peste ainda em
curso. Sublinho: a pandemia dessas tolices é como a ponta do ‘iceberg’ das
complexidades nacionais e internacionais.
Porém, o que mais
me apalerma é tentar determinar o aumento das taxas de suicídio, nessa era
ironicamente denominada de período das comunicações. No caso dos suicídios tais
informações deveriam ser melhor aquilatadas. O que me parece mais questionável
ainda é quando algumas famílias relatam os eventos suicidas seletivamente, na
esperança de preservar a história de ente querido, escondendo o ato suicida ou
alterando-o para morte natural ou acidental.
Sabemos, por experiência clínica e
vivencial, que um ato suicida não envolve exclusivamente a sua vítima, pois
afeta os familiares e seus descendentes. E isso não pode ser tratado como um
fluxograma ou algorítmico. Ninguém é dono dos seus próprios sentimentos,
independentemente da cor que o mês é pintado ou dos avanços da informática.
Voltando às cores dos meses, observo que há
uma espécie de daltonismo globalizado. Permita-me relembrar o que seja esta
palavra para melhor me fazer entender aos que não são oftalmologistas. Termo
criado por John Dalton (1766-1844), físico e químico inglês que sofria dessa
incapacidade para diferenciar cores, como entre o vermelho e o verde, e por extensão,
segundo o dicionário Aurélio, a deficiência intelectual que impossibilita
perceber e compreender certos assuntos.
Quando ouço que vigiar as conversas da
telefonia móvel é fazer prevenção dos suicídios nos jovens, maiores usuários
dessas geringonças eletrônicas – se isso não fosse tão trágico daria para
sorrir. Quando é que vamos voltar a lembrar que somos animais tribais e dotados
de fala? E que o poder das palavras – quando bem empregadas – é terapêutico?
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
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