Por José Alberto Gueiros
O artigo que se segue tem mais de 25 anos. Foi
escrito no extinto Jornal da Bahia (Brasil), em 1979. Mas parece que foi
redigido hoje. O autor é José Alberto Gueiros.
Quando Winston Churchill, ainda jovem, acabou de
pronunciar o seu discurso de estreia na Câmara dos Comuns, foi perguntar a um
velho parlamentar, amigo de seu pai, o que tinha achado do seu primeiro
desempenho naquela assembleia de vedetas políticas. O velho pôs a mão no ombro
de Churchill e disse, em tom paternal: "Meu jovem,
você cometeu um grande erro. Foi muito brilhante neste seu primeiro discurso na
Casa. Isso é imperdoável. Devia ter começado um pouco mais na sombra. Devia ter
gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstrou hoje, deve ter
conquistado, no mínimo, uns trinta inimigos. O talento assusta."
E ali estava uma das melhores lições de abismo que
um velho sábio pode dar ao pupilo que se inicia numa carreira difícil. A maior
parte das pessoas encasteladas em posições políticas são medíocres e tem um
indisfarçável medo da inteligência. Isso na Inglaterra. Imaginem aqui noutros
países. Não é demais lembrar a famosa trova de Ruy Barbosa:
"Há tantos burros mandando em homens de
inteligência, que às vezes fico pensando que a burrice é uma Ciência."
Temos de admitir que, de um modo geral, os medíocres
são mais obstinados na conquista de posições. Sabem ocupar os espaços vazios
deixados pelos talentosos displicentes que não revelam o apetite do poder. Mas
é preciso considerar que esses medíocres ladinos, oportunistas e ambiciosos,
têm o hábito de salvaguardar suas posições conquistadas com verdadeiras
muralhas de granito por onde talentosos não conseguem passar. Em todas as áreas
encontramos dessas fortalezas estabelecidas, as panelinhas do arrivismo,
inexpugnáveis às legiões dos lúcidos.
Dentro desse raciocínio, que poderia ser uma
extensão do Elogio da Loucura de Erasmo de Roterdam, somos forçados a admitir
que uma pessoa precisa fingir de burra se quiser vencer na vida. É pecado fazer
sombra a alguém até numa conversa social. Assim como um grupo de senhoras
burguesas bem casadas boicota automaticamente a entrada de uma jovem mulher
bonita no seu círculo de convivência, por medo de perder seus maridos, também
os encastelados medíocres se fecham como ostras à simples aparição de um
talentoso jovem que os possa ameaçar. Eles conhecem bem suas limitações, sabem
como lhes custa desempenhar tarefas que os mais dotados realizam com uma perna
nas costas, enfim, na medida em que admiram a facilidade com que os mais
lúcidos resolvem problemas, os medíocres os repudiam para se defender. É um
paradoxo angustiante.
Infelizmente temos de viver segundo essas regras
absurdas que transformam a inteligência numa espécie de desvantagem perante a
vida. Como é sábio o velho conselho de Nelson Rodrigues: "Finge-te de
idiota e terás o céu e a terra”.
O problema é que os inteligentes não gostam de
brilhar. Que Deus os proteja para que as cobras não os ataquem.
Fonte: In Jornal da Bahia - Sábado, 23/09/1979
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