Por José Jackson Coelho Sampaio (*)
A oposição teoria e prática, ampara-se em grandes
pendências do pensamento polar, sem equador, que alimenta o debate sobre
essência e aparência, abstrato e concreto, geral e particular, objetivo e
subjetivo. Na modernidade, o debate penetra na Educação, sobretudo depois da
reforma universitária napoleônica, que deixou o abstrato para os Centros e o prático
para as Faculdades.
O desenvolvimento do capitalismo no Ocidente
contribui cada vez mais para este processo, pela discriminação entre o que é
útil ou não para o mercado de produtos, físicos ou simbólicos, com a educação
sendo incorporada, toda ela, numa espécie de mercado de commodities. A oferta
educacional torna-se mercado e seus produtos se incorporam em mercados de
técnicas.
Se o século XIX foi o tempo da ciência, o século XX
o foi da tecnologia, o século XXI o será da técnica, mas fetichizada em tecnologia.
Nunca se falou tanto em tecnologia, nunca se usou tanto a palavra tecnologia do
que agora, quando percebemos que o que ocorre é o afogar do mundo no domínio
operacional da técnica sucateável, perdendo-se a capacidade de compreender os
fundamentos e de recriar.
Exerço hoje a função de professor de disciplinas
transversais, Psicologia Médica e Psiquiatria, em curso que ajudei a conceber,
criar e implantar, o MedUECE. E, no debate sobre ajustes curriculares, surge a
ideia-chave de quanto mais prática melhor, requerendo-se a expansão gradativa
do período do Internato, com disciplinas imersas nos serviços. Uma teoria sem
retroalimentação com a prática constitui fantasma dubitativo. Uma prática sem
retroalimentação com a teoria constitui corpo sem cabeça.
As disciplinas básicas, as ético-filosóficas e as
sócio-históricas fornecem a compreensão do ser humano em ação e relação,
criando explicações para o que vivencia. Há algo que me caracteriza como ser
humano, sujeito abstrato, passível de generalidade, na saúde e na doença, e
algo que se concentra em mim, sujeito concreto, um corpo subjetivo-político,
síntese de múltiplas determinações.
Precisa-se de formação médica que equilibre a tensão
dialética entre teoria e prática, sem sucumbir diante de uma, resultando em
médico hábil e com consciência dos limites e dos efeitos adversos dos
fragmentos das técnicas que são dominadas em cada contexto histórico. Este
médico necessita ser um ser humano cuidando de outros, um cidadão cuidando de
outros e uma pessoa sensível, com um poder diferenciado na relação, cuidando de
outras pessoas sensíveis, vulneráveis, que buscam ajuda.
Eu cuido de Dona Maria, não só do coração de Dona
Maria. E este modo de cuidar precisa do acúmulo civilizatório de conhecimento
que a história traz para você nas disciplinas ditas teóricas. Se a formação
cola na técnica, ao modo dos cursos de Medicina antes da Reforma Flexner, o
novo médico dará conta da técnica fragmentada à qual foi exposto naquele
momento e natureza dos serviços que frequentou, perdendo a flexibilidade
intelectual de afastar-se, criticar, propor, criar.
(*) Professor titular de Saúde
Pública e ex-Reitor da Uece.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 2/06/2022. Opinião. p.19.
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