Por Sofia
Lerche Vieira (*)
Enquanto
o Brasil parece sucumbir à radicalização e ao ódio político, o país perde
posições no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e retorna ao Mapa Mundial da
Fome, realidade inédita no mundo. As duas situações não são mutuamente
excludentes. É preciso, sim, combater as formas de autoritarismo que se
aprofundam em nossa sociedade e têm "milicianização das eleições",
como resumiu o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), uma ameaça possível. É
urgente também enfrentar com ações concretas e sustentáveis a fome dos mais de
60 milhões de brasileiros que sofrem com insegurança alimentar.
O
país sequer se refez do luto pelos cruéis assassinatos do indigenista Bruno
Pereira e do jornalista Dom Phillips e novos crimes reforçam a perspectiva de
que a barbárie parece se instalar de vez entre nós. A lista não para
de crescer: enquanto um cidadão é assassinado por suas convicções políticas em
sua festa de aniversário, armas são tema de celebração de outro; uma mulher em
trabalho de parto é estuprada por seu médico anestesista em um hospital
público. Isto para não falar do crescente clima de ódio que aparta famílias e
amigos em virtude de suas preferências ideológicas.
Sorrateira,
um desconforto sem nome se apodera de nossa mente e alma, fortalecendo a
impressão de que dos porões dos piores sentimentos humanos possam
emergir sombras mais ameaçadoras do que seria possível imaginar. Que tempos são
esses? Onde se perdeu a nossa humanidade? O que fazer quando até aqueles que
praticam a solidariedade junto aos que mais sofrem, como Padre Júlio
Lancellotti, são perseguidos?
Tempos
difíceis e escuros os que vivemos. Na impossibilidade de dar voz à fé em dias
melhores, os versos do poeta Thiago de Mello (1928-2022), falecido no
início deste ano, ressoam como chamada a crer em alguma luz, apesar da
escuridão. "Faz escuro mas eu canto, porque a manhã vai chegar". Ou
ainda, "Escondo o medo e avanço. Ainda não é o fim. É bom andar, mesmo de
pernas bambas".
Precisamos
reencontrar a capacidade de escuta e entendimento. Reaprender a nos darmos
as mãos para recomeçar.
(*)
Professora do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Uece e consultora da FGV-RJ.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 18/07/22. Opinião, p.16.
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