"O bacamarte
de Zé Maia"
A
convite do mesmo Majela Colares (o poeta residia à época no Recife) fomos em
cortejo a Limoeiro do Norte para o lançamento da bela reedição de "Zé
Limeira, O Poeta do Absurdo" pela Editora Caliban, quando acompanhamos o,
já idoso mas firme, menestrel Orlando Tejo, com seu quixotesco perfil magro,
curvado e comprido, cachimbo sempre à boca, olhos miúdos e palavras raras.
Bem
cansados pela viagem, fomos confortavelmente hospedados num hotel no centro da
cidade, de onde só à noitinha rumamos para a escola onde se daria o evento. Lá
o ambiente estava perfeitamente arrumado, tudo organizado, mesa com toalha
branca de linho e flores fartas à frente para os autógrafos e discursos de
praxe: a mim coube uma mesa onde já se encontrava a mais bela Dorotéia da
cidade.
Mas
nem bem o apresentador iniciou a apresentação do livro, autor e convidados, as
luzes se apagaram, um burburinho circulou junto ao Vento Aracati: de repente um
estrondo medonho equivalente a tiro de canhão ou trovoada de inverno bom e a
gritaria foi geral, pessoas corriam para se proteger, mesas e cadeiras
derrubadas, rezas já se ouviam, quando finalmente as luzes foram acesas e,
incrédulos, vimos o gordito caçador de botijas Zé Maia deitado de bunda no
chão, porém segurando firme o seu bacamarte ainda fumegando.
Alguns
desceram dos muros, senhoras foram erguidas do chão, crianças finalmente
acalentadas - porém de calmos apenas o poeta Majela Colares que se abria em
sorrisos e o velho poeta Tejo que sequer levantou a vista do papel que lia e
rabiscava, a fumaça do cachimbo inalterada a sair da velha locomotiva de
versos.
Na
minha mesa, antes composta de quatro, apenas eu, lerdo, não tive tempo de
correr, olhei ao lado e no lugar onde se encontrava a bela ribeirinha do Rio
das Onças, apenas uma bolsa sobre a cadeira e um sapato de salto alto derreado
no chão.
(*)
Escritor. Cronista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 5/08/22. Vida & Arte, p.2.
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