MEU NOME É MULTIDÃO
Organizado
por Lara Montezuma, jornalista de O
POVO
Dez anos sem Airton Monte: cronistas
reverberam a relevância do escritor cearense
Escritores do Vida&Arte
repercutem a influência de Airton Monte na cena literária cearense e destacam a
importância da preservação das obras do contista
A
escritora Tércia Montenegro acredita que Airton está imortalizado como um dos
grandes nomes da crônica cearense. Para ela, o "mestre" deste gênero
literário era capaz de aliar a observação do cotidiano com uma dimensão
poética, agregando toques de humor e ironia. "Ele tinha, de fato, um
conhecimento de ritmo cronístico insuperável", comenta. O primeiro
trabalho do contista lido por Tércia foi a coletânea "Moça com Flor
na Boca" (2006) e, desde então, o escritor se tornou referência em
seu repertório literário. "O que me remete ao Airton é mais uma atmosfera,
não só um personagem, cena ou palavra. Acho que é um conjunto de
características que gera um reconhecimento, é o estilo dele que acaba sendo uma
marca do todo. Ele logo mostrou uma personalidade muito festiva e acolhedora.
Sempre que eu lembro do Airton, eu penso em situações engraçadas, leves e
descontraídas".
Já
a jornalista e professora Izabel Gurgel considera o poeta um
"polinizador" capaz de "lançar mundos no mundo", como
entona Caetano Veloso na canção "Livros", de 1997. A obra do cearense
chegou em suas mãos por meio da experiência de outros leitores. "Sempre me
interessa ouvir, ver, saber como as pessoas são tocadas por aquilo que leram e
estão lendo", atesta. Izabel sintetiza os ensinamentos de Airton em uma
frase do próprio: "claro que o mundo não pára enquanto dormimos".
Apesar de não ser uma novidade, a jornalista diz que a sentença "tem a
beleza da precisão do desenho do alvo, que se realiza no encontro com a flecha,
o dardo".
Na
visão do escritor Pedro Salgueiro, Airton é um dos integrantes de uma geração
expoente na literatura cearense, justamente por volta dos anos 1970, época
das revistas literárias. Os dois se aproximaram por volta de 2006, quando ambos
tiveram livros indicados para o vestibular da Universidade Federal do Ceará
(UFC). Juntos, percorreram escolas públicas e privadas do Estado para
apresentar palestras. "Adorava fazer eventos com ele, porque ele falava
demais", brinca. Depois, se encontravam ocasionalmente em bares,
lançamentos e reuniões do Clube do Bode, no tradicional Florida Bar. "Eu
comentava com ele: como você consegue? Eu escrevo de quinze em quinze dias e
falta assunto, no décimo quinto dia eu estou finalizando a crônica a fórceps.
Ele fazia uma crônica por dia, quando ele estava numa veia boa fazia quatro ou
cinco por dia. Ele era muito anárquico, principalmente ao falar, mas tinha a
rotina dele. Contava sobre a Dom Jerônimo, os encontros familiares, a
macarronada na casa do pai dele. Isso rendeu cinquenta ou mais crônicas, com
pequenas variações".
Salgueiro
contesta que "todo cronista tem seus assuntos" e, entre as eventuais
repetições, Airton acabou cativando incontáveis leitores. "Ele conseguia
penetrar nos leitores mais jovens, tinha essa capacidade de fidelizar várias
gerações. Ele criava muitos causos, causava risos. Eu gostava também de um viés
dele, ele era muito bom quando estava com raiva de alguém. Apesar de ser um
'bonachão', quando pisava nos calos dele, virava uma fera", lembra. Para o
escritor, Airton é uma das últimas grandes figuras emblemáticas da Cidade.
"A morte dele foi uma tristeza geral para todo mundo, mesmo para quem
convivia pouco. Ele era um personagem cultural, não só no mundo das letras, e
agitava até doente. Hoje todo mundo é muito comum, as figuras exóticas já se
passaram. O mundo que o Airton viveu tinha os bares, botecos e jornais
como palcos", acrescenta.
As
ideias de Airton, portanto, devem continuar influenciando as futuras gerações.
"A maneira do escritor se perpetuar é pelo trabalho dele, tanto
verbalizando, como por escrito. Daria para, pelo menos, a cada cinco ou dez
anos, fazer uma edição das crônicas dele. Ou, então, reeditar os contos, os
livros. Fazer essa obra circular de novo é a melhor maneira de ajudar um
escritor", sugere. O primeiro passo aconteceu com o lançamento da
coletânea de crônicas "A Primeira Esquina", organizada em 2014
pela Edições Demócrito Rocha (EDR), com apresentação do jornalista Demitri
Túlio.
Gerente
editorial e de projetos da Fundação Demócrito Rocha (FDR), Raymundo Netto
adianta que um novo projeto será lançado em 2023. "Existe um projeto da
EDR para lançar, até o ano que vem, o livro "Da Janela de
Estimação", de Airton Monte. É uma coletânea de textos que foram
publicados no O POVO", informa. A iniciativa terá apresentação de
Sarah Diva Ipiranga e é uma maneira de perpetuar o legado do cearense na
literatura. "Ainda há muito a ser explorado. Eu fico imaginando nos dias
de hoje, nesses tempos sombrios que estamos vivendo, o que o Airton Monte
estaria dizendo para a gente no jornal. Isso para mim é uma curiosidade que,
infelizmente, é irremediável", alega Raymundo.
Fonte: O POVO, de 10/09/2022. Vida & Arte. p.3
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