Por Joaquim
Cartaxo Filho (*)
Encontrei com o Mestre Liberal de Castro, pela
última vez, sob chuva e separados pela grade que estabelece a fronteira entre o
jardim da casa dele e a calçada da rua Gervásio de Castro. Era uma manhã de
2021. Estávamos ainda ameaçados pelas variantes da Covid-19. Eu não estava mais
confinado em casa, havia retornado ao trabalho. Já ele continuava retido.
A prosa rolou quanto à fita K7 que achou entre
as "coisas desorganizadas" do escritório dele em casa, como costumava
comentar, cujo conteúdo era o depoimento do arquiteto Nestor de Figueiredo
tomado pelos arquitetos Eliane e Amaurício Cortez, então estudantes.
Ouvia-o. Ora dizia sim, ora afirmava com a
cabeça. Até que o interrompi e indaguei sobre o que ele queria que eu fizesse
com a fita. Então, me solicitou que desse um jeito de transcrevê-la, pois
supunha ser relevante para a memória da cidade.
Daí fui à luta: encontrar um toca fita para
rodar um K7 com 40 anos. Achei o especialista que a recuperou e transferiu o
conteúdo para o meio digital. Quanto à transcrição, a encaminhei ao Liberal e
lhe telefonei para saber o que fazer com a fita. Me disse que encontrasse uma
que a conservasse.
Sobre a transcrição, perguntei-lhe se iria
trabalhá-la e editá-la na revista do Instituto do Ceará, onde publicava
ensaios. Respondeu-me: você que mexe com planejamento urbano examine o
depoimento do Nestor e publique a análise, sem esquecer de registrar os
créditos relativos ao Amaurício e a Eliane.
Assim, desde as aulas da graduação e pós,
Liberal me fez trilhar os caminhos surpreendentes da história da arquitetura e
do urbanismo; me fez compreender e me comprometer com a produção espacial do
lugar, conectada com a dimensão universal cujos elementos arquitetônicos identificava
na arquitetura popular, adaptada ao ambiente semiárido cearense. Neste sentido,
prefaciou meu livro "A cidade fatual", argumentando que a pobreza e
exclusão social não se tratavam de um problema unicamente de Fortaleza.
Liberal deixou-nos no dia 9/9/2022, mas
legou-nos a obra do intelectual da arquitetura que arrancava do passado,
presente no patrimônio histórico edificado, as possibilidades ofertadas pelos
futuros.
Viva Liberal de Castro!
(*) Arquiteto urbanista
e superintendente do Sebrae/CE.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 26/09/22. Opinião, p.22.
Nenhum comentário:
Postar um comentário