segunda-feira, 3 de outubro de 2022

A SAÚDE E OS DESAFIOS QUE AINDA NÃO ENFRENTAMOS

Por Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)

A saúde pública está entre as principais demandas da sociedade brasileira. No entanto, às vésperas das eleições não assistimos a nenhuma proposta dos candidatos a presidente da república, mesmo diante da tragédia que vivemos com a pandemia da Covid 19.

Da mesma forma, apesar da demonstração evidente da fragilidade dos nossos sistemas de saúde público e privado, é evidente a omissão das universidades, dos sindicatos, dos conselhos, ou seja, dos órgãos de representação de classe referente à análise e ao debate de reformas conceituais, urgentes.

Mas, o que está tão óbvio? A desigualdade entre as regiões é evidente quando avaliamos qualquer aspecto, desde a infraestrutura física e de recursos humanos até a ausência de equidade na distribuição de recursos federais. A diferença da relação de leitos de UTI per capita exemplifica essa distorção. Estão localizadas no Nordeste as regiões com mais de 200 mil habitantes que não possuíam nenhum leito de UTI até o ano passado.

A ausência de uma política pública de recursos humanos, a defasagem tecnológica das nossas unidades de saúde, e principalmente, a ausência de um sistema de inteligência e transparência de dados que permitam conhecer a realidade das problemáticas que mais nos aflige, protagonizam, consequentemente, uma ineficiência escandalosa da aplicação dos gastos públicos em saúde.

Nesse aspecto, muito se fala sobre os reduzidos recursos para a saúde, mas nada se diz sobre a precarização da força de trabalho, sobre o clientelismo e o aparelhamento ideológico do nosso SUS. Pois bem, infelizmente esse slogan: "o SUS é dos brasileiros" não é verídico; no momento, o SUS pertence aos comensais do sistema, as corporações e aos políticos que tradicionalmente exercitam o toma lá dá cá em todos os níveis de atenção, da rede primária à terciária.

Há, certamente, um ufanismo sobre o nosso sistema. É simples, que modelo é esse que não atende às necessidades dos clientes e dos trabalhadores da saúde? Não há dados sobre eficiência do atendimento ou mesmo sobre o impacto de políticas de doenças muito frequentes, como a hipertensão arterial.

Assistimos aos teóricos e gestores da saúde defenderem estratégias sem resultados.

De nada adianta dizer “eu defendo o SUS”, se não entendermos que urge a implantação de transparência de dados de eficiência da nossa rede, se não aplicarmos recursos com equidade entre as regiões do Brasil, ou mesmo no interior de cada Estado, se não aplicarmos e incentivarmos a garantia da qualidade do sistema público e também do privado, se não tornarmos obrigatória e disponível a formação com residência em saúde e médica, se não extinguirmos a precarização do trabalho na saúde. No Ceará, cerca de 80% dos trabalhadores da saúde têm vínculos empregatícios precarizados. E a maioria dos médicos formados no Brasil atual não possuem título de residência. 46% dos médicos no Brasil têm titulo de especialista emitido por sociedade de especialidade ou obtido após conclusão de Residência Médica.

A ineficiência do gasto público na saúde é um câncer refratário a tratamentos disponíveis na política brasileira atual e na história mais recente. Apenas em 2017, segundo André Medici, essas ineficiências somavam R$ 35,8 bilhões. Ou seja, representam o equivalente a dez anos de gasto público em saúde do Ceará.

Milhares usurpam de jargões para esconderem a ausência de competência na gestão pública. Não há planejamento para o curto e médio prazos. Os orçamentos públicos não obedecem a qualquer critério de viabilidade, grande parte da aplicação dos recursos é usado para seduzir prefeitos, deputados e vereadores. Não podemos confundir projetos de crise com elaboração de uma política de Estado. Por exemplo, o programa Mais Médicos é uma estratégia de crise e não uma política de Estado como a opção pela formação e fixação de talentos e de gestão e desenvolvimento de pessoas. Assim, é evidente a demonstração que não há nenhuma garantia de conformidade ética e Jurídica no serviço público de saúde no Brasil.

Enfim, se mantivermos essa realidade aprofundaremos a desigualdade e a perversa falta de acesso às populações mais dependentes do SUS.

(*) Médico. Professor da UFC. Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 7/09/2022. Opinião. p.21.

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