quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

VACINA E A CZARINA CATARINA II

Meraldo Zisman (*)

Médico-Psicoterapeuta

Ouço por aí, jocosamente, que Putin acabou rapidamente com a pandemia do coronavírus com a ordem de invasão de uma das mais importantes e adiantadas províncias da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E já que estamos falando de eslavos e das disputas vacinais, acabei de ter ciência, por um livro da escritora e jornalista Lucy Ward, recém-lançado, creio, na Inglaterra: A Imperatriz e o Doutor inglês (no original: The Empress and the English Doctor, Ed. Oneworld).

Esse livro descreve o papel das mulheres na promoção de descobertas científicas, papel esse, na maioria das vezes, omitido. Conta ela, a autora, da importância da ‘czarina’ Catarina, a Grande, pela bravura de sua visão exata e sua determinação em proteger os súditos do seu império defendendo a vacinação contra a varíola. O procedimento envolvia espalhar pus das bolhas de uma pessoa infectada em pequenas incisões na pele de uma pessoa saudável.

Era muito mais seguro do que pegar a doença naturalmente. Essa história emocionante e importante oferece uma visão sobre a determinação, tenacidade e garra das mulheres para trabalhar pela ciência e cuidar de sua família/povo.

Esclareço mais:

Para os quem não sabem, a varíola, naquela época, era muitas vezes letal. Quando não matava, podia cegar ou desfigurar.  Em 1768, o médico inglês Dr. Thomas Dimsdale foi convidado a visitar São Petersburgo pela própria ‘czarina’ Catarina a Grande, de quem era amigo, para vaciná-la e ao seu filho, assegurando-lhe precavidamente que ordenara um iate de prontidão no Golfo da Finlândia, pronto para levá-lo para fora da Rússia, caso algo desse errado, marcando assim um divisor de águas na aceitação popular da técnica profilática das vacinações.

Lembro-me que, quando eu exercia a Pediatria, a vacinação contra a varíola era compulsória e tenho a minha cicatriz da vacina no braço esquerdo; depois, as meninas eram inoculadas/escarificadas em uma das coxas, para não deixar marcas nos braços… antes da invenção dos biquínis.

Lembro ainda que, nos últimos cem anos de sua existência, estima-se que a varíola tenha matado meio bilhão de pessoas; mas na Rússia, o gesto de Catarina promoveu inoculação — e a vacina virou moda — o que levou à rápida queda da varíola. Dessa forma, ela, a ‘czarina’ de todas as Rússias, ajudou a colocar o mundo no caminho para a erradicação daquele flagelo. Esse marco sanitário mundial foi apregoado em 1980, pouco mais de dois séculos depois que Catarina e o filho foram vacinados com outros nobres.

Coisas esquecidas! Porém, agora que a tempestade pandêmica/midiática mudou de rumo, acredito ser oportuno relembrar…

(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).


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