Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Ouço por aí, jocosamente, que Putin acabou rapidamente com
a pandemia do coronavírus com a ordem de invasão de uma das mais importantes e
adiantadas províncias da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E
já que estamos falando de eslavos e das disputas vacinais, acabei de ter
ciência, por um livro da escritora e jornalista Lucy Ward, recém-lançado,
creio, na Inglaterra: A Imperatriz e o Doutor inglês (no
original: The Empress and the English Doctor, Ed. Oneworld).
Esse livro descreve o papel das mulheres na promoção de
descobertas científicas, papel esse, na maioria das vezes, omitido. Conta ela,
a autora, da importância da ‘czarina’ Catarina, a Grande, pela bravura de sua
visão exata e sua determinação em proteger os súditos do seu império defendendo
a vacinação contra a varíola. O procedimento envolvia espalhar pus das bolhas
de uma pessoa infectada em pequenas incisões na pele de uma pessoa saudável.
Era muito mais seguro do que pegar a doença naturalmente.
Essa história emocionante e importante oferece uma visão sobre a determinação,
tenacidade e garra das mulheres para trabalhar pela ciência e cuidar de sua
família/povo.
Esclareço mais:
Para os quem não sabem, a varíola, naquela época, era
muitas vezes letal. Quando não matava, podia cegar ou desfigurar. Em
1768, o médico inglês Dr. Thomas Dimsdale foi convidado a visitar São
Petersburgo pela própria ‘czarina’ Catarina a Grande, de quem era amigo, para
vaciná-la e ao seu filho, assegurando-lhe precavidamente que ordenara um iate
de prontidão no Golfo da Finlândia, pronto para levá-lo para fora da Rússia,
caso algo desse errado, marcando assim um divisor de águas na aceitação popular
da técnica profilática das vacinações.
Lembro-me que, quando eu exercia a Pediatria, a vacinação
contra a varíola era compulsória e tenho a minha cicatriz da vacina no braço
esquerdo; depois, as meninas eram inoculadas/escarificadas em uma das coxas,
para não deixar marcas nos braços… antes da invenção dos biquínis.
Lembro ainda que, nos últimos cem anos de sua existência,
estima-se que a varíola tenha matado meio bilhão de pessoas; mas na Rússia, o
gesto de Catarina promoveu inoculação — e a vacina virou moda — o que levou à
rápida queda da varíola. Dessa forma, ela, a ‘czarina’ de todas as Rússias,
ajudou a colocar o mundo no caminho para a erradicação daquele flagelo. Esse
marco sanitário mundial foi apregoado em 1980, pouco mais de dois séculos
depois que Catarina e o filho foram vacinados com outros nobres.
Coisas esquecidas! Porém, agora que a tempestade
pandêmica/midiática mudou de rumo, acredito ser oportuno relembrar…
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE),
da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante
Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
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