quinta-feira, 23 de março de 2023

ESPIRITUALIDADE E MEIO AMBIENTE

Por Pe. Eugênio Pacelli SJ (*)

Há dois anos moro no Mosteiro dos Jesuítas, em Baturité, lugar mais privilegiado e lindo de todo o maciço. Lugar rico em histórias, lembranças, cultura, religiosidade, de natureza exuberante, que favorece um encontro consigo, com os outros e com Deus. É difícil entrar no mosteiro sem sentir, falar e saborear o mistério inesgotável que nomeamos: Deus. Há uma sintonia profunda entre espiritualidade e natureza.

A Criação é um imenso altar, no qual podemos contemplar a presença do Criador. O Papa Francisco na Laudato si' n. 84 afirma: "Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus". A Criação, portanto, é um grande sacramento e se transforma no espaço e no lugar de manifestação da divindade. Tudo é sagrado; Matéria e Natureza porque é o Templo de Deus. São "territórios sagrados" onde Deus tem prazer de passear e de encontrar-se com o homem dando-lhe a missão de "cultivar e guardar a Criação" (Gn 2,15)

Inácio de Loyola, mestre da espiritualidade, via bondade e beleza em todas as criaturas. Cada criatura torna-se uma revelação de Deus, tudo manifesta e revela o seu Amor, causa admiração e encantamento e leva a descobrir as pegadas do Criador nas criaturas. Diante das obras criadas é necessário uma "atitude contemplativa" que desperta os sentidos e os envolve na busca de Deus. Aqueles que tem os olhos iluminados pela fé conseguem saborear as manifestações de Deus em tudo e em todos.

Neste sentido, uma espiritualidade sadia e integral ajuda a superar as dicotomias na busca da unidade e da totalidade: ciência e mística, mundo físico e espiritual, corpo e espírito, céu e terra... tudo se encontra em profunda harmonia e íntima intercomunicação, que cura em nós tal dicotomia que tem provocado toda espécie de mal-estar, de doenças, de insegurança, de ansiedade.

Uma espiritualidade que se opõe ao utilitarismo e à depredação da natureza. Na qual a natureza não é vista como uma mediação criada só para servir ao ser humano, mas um lugar e meio para "louvar, reverenciar e servir o Criador". Aqui, já não cabe mais nenhuma atitude de dominação, exploração e depredação. O cuidado e a beleza do universo impõem-se ao desejo consumista desenfreado, desencadeando um novo paradigma de relacionamento com o conjunto da Criação.

Quem tem a graça de sair do asfalto, desacelerar, fugir do barulho e despertar os sentidos com a luz da fé verá toda beleza, originalidade e grandeza da criação como teatro da glória de Deus. Além de se sentir parte integrante desta obra, será também corresponsável por ela. Permita-se fazer esta experiência.

(*) Sacerdote jesuíta e mestre em Teologia. Diretor do Seminário Apostólico de Baturité.

Fonte: O Povo, de 11/02/2023. Opinião. p.18.

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