Por Carlos Roberto Martins
Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)
Recentemente
atendi um amigo com dor. Percebi quantas dúvidas e emoções eram geradas pelo
sofrimento. Para além das questões anatômicas e funcionais, comumente
avaliadas pelos médicos, o que me chamou a atenção foi uma dor que tinha uma
história, ou mesmo induzia, trazia de volta lembranças de uma vida inteira,
seus medos e suas dúvidas.
Observo que a
maioria das pessoas, a despeito de seus incômodos, procuram levar uma vida normal.
Em alguns,
perturba a sensação de que já não conseguem disfarçar. Talvez por trazer a
percepção de gerar em si mesmo e em outrem, especialmente na própria família,
uma mudança na sua rotina. Ao contrário das percepções de um mundo
mais interativo, o insucesso no tratamento costuma levar ao isolamento.
Não se trata
de autopunição, ou mesmo de autopiedade, mas sim uma tentativa de aquietar-se, como se assim pudesse haver algum
conforto.
A doença, em seu conceito mais amplo, traduz a história e a caminhada de cada
um de nós. Afinal, "a gente morre como a gente vive".
Já a família,
por vezes, num quê de desespero, oscila entre a negação e a revolta, o que dificulta ainda mais, mesmo que
involuntariamente.
Mas, em
verdade, a dor, com o tempo, pode transformar-se em aceitação, quando há somente o compreender.
Na sua vez, na
forma que aconteça, cultive a união dos que
ficarão após a sua missão.
Enquanto em
vida, mesmo em forma de confissão, exponha suas dúvidas e seus medos. É como se
expondo a alma pudesse ajudá-los a entender essa passagem, principalmente
àqueles que ainda hesitam em crer na inexorabilidade da morte, em mudanças repentinas, porém demasiadamente humanas.
Embora não se
entenda como uma qualidade por si, procure exercitar-se nas dores, que costumam
oscilar entre a imaginação e a
realidade. Sempre
que possível regozije-se com o tempo, com a certeza de que esse vai apagar
todas as más memórias para um dia transformar-se em lembrança.
Uma pontinha
de memória, já bem distante, não machuca. Mas, para os filhos, descortina as
estradas.
Que lhes sirva
de estímulo para enfrentar as permanentes perdas e adversidades, caminho natural do nosso destino.
Espere, enfim,
um sossego, como um carinho que só tem guarda na imaginação e na
saudade.
Saudade...
(*) Médico. Professor da UFC.
Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.
Fonte:
Publicado In: O Povo, de 15/07/2023.
Opinião. p.19.
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