segunda-feira, 16 de outubro de 2023

CANCELANDO O MARECHAL

Por Célia Perdigão (*)

Nunca se pensou antes em fazer um memorial que prestasse homenagem aos que batalharam pela abolição no Ceará. Ao que parece há uma imagem no jardim do Dragão do Mar no Centro do mesmo, um pequeno setor sobre escravidão no Museu do Ceará - fechado, um museu dos escravos em Redenção, ainda existente? E uma alegoria sobre o tema em uma pintura na ACL.

Porque não contribuir com algo de grande envergadura, salientando lutas e personagens sobre a temática abolicionista, com recursos atuais que nos transportem aquele mundo traumático e suas conquistas heroicas?

Por que anular ou semi anular a nossa história quando o mais adequado seria extrair do ex-presidente seus erros e possíveis acertos, compondo um espaço de reflexão sobre os acontecimentos que bem ou mal traduzem o que somos e o que não fomos capazes de ser?

Os espaços museológicos hoje são muito dinâmicos e possibilitam visitas mais reflexivas e atraentes.

Aqui no Ceará há uma verdadeira mania de remanejamento dos espaços sem respeitar suas essências. Cito por exemplo os "pier" da Beira Mar. Lugar essencialmente para leves caminhadas e apreciação do mar e imediações vai ser transformado em comércio.

Como é possível que o mar não se imponha como o principal componente do lugar?

Já arrastaram areia a um ponto de quase retirar o mar.

Como é possível uma Beira Mar sem mar? Só aqui pode acontecer isso.

O comércio e as construções são imperativos sobre tudo o mais.

Por que ninguém fala alto? Por que ninguém reclama?

Tenho certeza de que há muitas pessoas sensíveis e incomodadas. Por que não falam? Por que não fazem ver os que não percebem?

Estas pessoas que só pensam em mudanças inadequadas e comércio "partout" não viajam? Não leem? Não assistem programas do século XXl?

Há que acontecer alguma reação. Nesse passo o que restará do que temos de interessante? De memória? De história? De natureza? De belo? De inteligente?

Uma visão lúcida integraria o imóvel - abandonado - onde nasceu o único cearense que ocupou o posto maior da República.

Deixem o memorial do Castelo Branco em paz ou façam algo inteligente e belo na toada original.

(*) Arquiteta.  Especialista em história e conservação de monumentos antigos na França.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 14/09/23. Opinião, p.18.

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