Por Ruth Manus (*)
Eu tomo café da manhã, ele toma pequeno almoço. Eu
tomo leite na xícara, ele toma café na chávena. Eu tomo uma chuvinha besta, ele
apanha uma chuva molha parvos. Eu tomo um sorvete de creme, ele toma um gelado
de natas. Eu tomo um chope, ele toma uma imperial. Eu tomo um porre, ele apanha
uma bebedeira.
Eu pergunto se ele viu minha meia-calça marrom e ele
diz que não, não viu meus collants castanhos.
Eu pergunto se ele vai de terno, ele me diz que não
vai de fato.
Eu uso calcinhas, que ele diz que são cuecas, ele
usa boxers, que eu digo que são cuecas. Eu digo que é uma camiseta bonita, ele
diz que é uma t-shirt gira. Eu digo que a nova camisa do Cruzeiro está linda,
ele diz que a nova camisola do Porto está brutal.
Eu digo para de frescura e ele me diz não me venhas
com fitas. Eu digo que ele não sabe porra nenhuma, ele diz que eu não sei a
ponta de um corno. Eu digo se agasalha direito, ele me diz tapa-te bem.
Eu digo muito, ele diz bué.
Eu pergunto se nossos amigos vão trazer as crianças
e ele diz que, sim, eles trazem os putos. Eu pergunto se elas estão fazendo o
álbum da Copa e ele diz que sim, elas estão a fazer a caderneta do mundial. Eu
pergunto se eles têm figurinhas para trocar, ele me diz que eles têm cromos
repetidos.
Eu pergunto se vamos de trem, ele diz que vamos de
comboio. Eu digo que o encontro em 10 minutos no ponto do ônibus e dez minutos
depois ele me diz que já está na paragem do autocarro. Eu digo que o pedágio é
carésimo, ele diz que a portagem é um balúrdio. Eu digo que precisamos parar no
posto e ele diz que logo ali há uma bomba.
Eu digo que esse goleiro é muito ruim, ele concorda
dizendo que é mesmo um guarda-redes muito mau. Eu berro que o atacante estava
impedido, ele berra que o avançado estava fora de jogo. E digo que o juiz tá de
sacanagem, ele diz que o árbitro está a gozar. Eu digo que não foi escanteio,
foi tiro de meta, ele concorda que não foi canto, foi pontapé de baliza.
Eu digo que adoro a Whoopi Goldberg em “Mudança de
Hábito”, ele diz que nunca assistiu a “Do Cabaré Para o Convento”. Eu digo que
nunca assisti a “O Poderoso Chefão”, ele diz que eu preciso assistir a “O
Padrinho”. Eu digo que parei de ver “Bastardos Inglórios” no meio, ele diz que
eu tenho que acabar de ver “Sacanas Sem Lei”.
Eu digo que TST é Tribunal Superior do Trabalho, ele
diz que TST é Transportes do Sul do Tejo. Eu digo que ABL é Academia Brasileira
de Letras, ele diz que ABL é Associação de Basquete de Lisboa. Eu digo que Itau
é um banco, ele diz que Itau é Instituto Técnico de Alimentação Humana (e eu
digo que falta um H nessa sigla).
Eu digo que comprei caquis, ele diz que comprou
dióspiros. Eu peço para ele comprar abobrinha e alho poró, ele compra courgette
e alho francês.
Eu digo que gosto de bolo salgado, ele diz que gosta
de bôla. Eu digo que gosto de rocambole, ele diz que gosta de torta. Eu digo
que gosto de torta, ele diz que gosta de tarte.
Eu digo que era um bando de estelionatários, ele diz
que era uma corja de aldrabões. Eu digo que o cara é um babaca, ele diz que o
gajo é um parvalhão. Eu digo que o vestido é cafona, ele diz que o vestido é
piroso. Eu digo que a dona do vestido é uma patricinha, ele diz que é uma
betinha.
Eu digo que temos um problema de sílaba tónica, ele
concorda. Eu digo que quero comer sushÍ, ele diz que também quer comer sÚshi.
Eu digo que vou de metrÔ, ele diz que me pega na saída do mÉtro. Eu digo que o
hotel se chama “Tívoli”, ele diz que se chama “TivolÍ”. Eu digo que busco a
miúda no judÔ, ele diz que ela sai do jÚdo no fim da tarde.
Eu digo carinho, ele diz festinhas. Eu digo beijo
tchau, ele diz beijinhos grandes e até logo. Eu digo eu te amo e ele poderia
dizer amo-te, mas, no fim das contas, ele acaba dizendo eu tambaim q’rida...
Sorte a minha.
(*) Advogada, escritora e feminista; Texto enviado para o jornal O Estado de S. Paulo.
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