Por Izabel Gurgel (*)
Sim, a feira às
segundas-feiras do Crato é a que nos chega primeiro pela memória. Gerações
viram, se não o nascimento, mas o mundo desaguar naquela feira. Conheci ali no
mercado tapioca marrom, marrom, feita com amendoim. Comum para quem é da
região. Para mim, esquina nova no museu de grandes novidades que é o cotidiano
do outro. Depois, em uma bodega em Icó, vi a farinha de amendoim feita em
Várzea Alegre, hoje incorporada ao Cariri.
O mundo é grande, mas o
Ceará é maior, como diz Moacir, o filho de Iracema e do Guerreiro Branco. O
Moacir de José de Alencar, mas sendo outro, o conduzido pelo poeta Dante
Alighieri para um encontro cara a cara com Deus em "A Divina Comédia de
Dante e Moacir", texto interpretação direção da encruzilhada de mundos que
é nosso Ricardo Guilherme.
O arrodeio de entrada,
aí acima, é para entrar na feira da Praça (do) Bicentenário, a feira das manhãs
de sábado. Feira que a gente diz orgânica depois que nós mesmos, mundo afora,
inventamos de deixar assim homogêneo (no pior sentido) o que só tem graça
porque difere, varia, se absurda e nos absurda, como o Moacir do RG, Moacir com
Dante.
A feira é pequena,
alcançável com uma varredura do olhar. Mas o bom é ir de banca em banca, com mais
fome nos olhos do que no resto do corpo, mais ouvindo do que puxando conversa à
beira de cada mesa, vendo a regência abrir e fechar panelas, anunciando o que a
partitura não diria, ainda que a gente soubesse ler música.
Bolo de cupuaçu. As
irmãs Lopes dos Santos, Maria Marlene e Sandra Priscila, dizem o que leva, como
fazem, modo e tempo de assar. Aprenderam o ofício com a mãe, Dona Maria Luci.
Elas fazem a puba em casa, no sítio Corujas. Não entra puba no bolo de cupuaçu.
Eu me perdi. Elas vão abrindo os depósitos e migramos imaginando o cheiro da
cozinha, bolo no forno, e talvez aquele senhor tomando café se pergunte como
nunca lhe passou pela cabeça fazer bolo de fruta-pão. Naquela manhã, havia um
sortimento de nove tipos de bolo. Eu ainda não saí da primeira banca de uma das
feiras da cidade. São nove os círculos do inferno, RG?
Ao lado, Francisca das
Chagas Ferreira Lima vende tapioca (da goma) e beiju (da massa, a fibra da
mandioca). Pelo cheiro, levo para presente. Pergunto sobre a goma e ela me mostra
a banca seguinte. Ildênio Nunes dá o pix da Isabel, que não estava na feira.
Têm casa de farinha, Ildênio diz que é uma coisinha de nada, sem forno. O dono
da terra prefere que não façam fogo por lá. Próxima ida ao Crato, vou até o
sítio Monteiro para ver o engenho do casal, de onde saem aquelas bases que nas
mãos de uma Dona Francisca viram um elogio às manualidades.
Vou encerrar sem sair do
prólogo. O editor diz que quase sempre passo da medida. O mundo das miudezas é
assim. Grande demais.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 4/02/24. Vida & Arte, p.2.
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