Ele
reciclou a usina de besteiras de Bolsonaro
Por Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar,
entre eles 'A Ditadura Encurralada'
Folha de S. Paulo, 21 de fevereiro de 2024
Ao mandar Jair
Bolsonaro para casa, o Brasil parecia ter se livrado de um encosto. Durante a
pandemia, esse espírito duvidava da vacina, sugeria que o vírus da Covid havia
sido fabricado na China e exaltava a cloroquina. Lula recolocou o Brasil nos
eixos na questão ambiental e atravessou o mundo para resgatar o encosto,
escorregando na casca de banana de Gaza.
No domingo
passado, em Adis Abeba, ele disse que "o que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino, não existe
em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar
os judeus". Com
isso, abriu uma crise e foi declarado persona non grata pelo governo de Israel.
Lula já
havia costeado o alambrado dias antes, no Cairo, com duas frases: "O
Brasil foi um país que condenou de forma veemente a posição do Hamas no ataque
a Israel e o sequestro de centenas de pessoas. Nós condenamos e chamamos o ato
de ato terrorista".
Falso. O ataque do Hamas aconteceu no dia 7 de outubro.
Cinco dias depois, o Itamaraty informou que a classificação do Hamas como
organização terrorista competia à ONU. Posteriormente é que a ONU o incluiu em
terrorismo.
Lula
acrescentou: "Não tem
nenhuma explicação o comportamento de Israel, a pretexto de derrotar o Hamas,
está matando mulheres e crianças - coisa jamais vista em qualquer guerra que eu
tenha conhecimento."
Ressalvada
a falta de conhecimento, essa afirmação foi um exercício de retórica amparada
na ignorância.
A fala de
Adis Abeba teve a ver com a classificação do comportamento de Israel em Gaza
como "genocídio". Que as tropas de
Binyamin Netanyahu cometeram crimes de guerra, é certo. Genocídio é outra
coisa, é um ato deliberado de exterminar um povo, esteja ele onde estiver. Em
junho de 1944, com a guerra perdida, os alemães capturaram os 400 judeus que
viviam na ilha de Creta. Naquele mês, o brasileiro Benjamin Levy, a mulher e a
filha foram amarrados em Milão e deportados para o campo de Bergen-Belsen.
Lula já
disse que Napoleão foi à China e que os americanos derrubaram Dilma Rousseff de
olho no petróleo do pré-sal: "É preciso que o petróleo esteja na mão dos americanos porque eles têm
que ter o estoque para guerra. A Alemanha perdeu a guerra porque não chegou em
Baku, na Rússia, para ter acesso à gasolina."
A batalha
de Stalingrado terminou em fevereiro de 1943, quando os alemães já haviam sido
contidos em Moscou, os Estados Unidos estavam na guerra e haviam quebrado a
perna da Marinha japonesa. Se os alemães chegassem a Baku, pouca diferença
faria. Eles perderam a guerra por falta de gasolina.
Vale
lembrar que a Segunda Guerra também não acabou porque os americanos tinham mais
gasolina. Ela acabou depois das explosões de bombas atômicas em Hiroshima e
Nagasaki, que ficaram prontas em 1945.
De onde
Lula tira essas ideias, não se sabe, mas no seu terceiro mandato ele se move na
cena internacional com uma onipotência aplaudida por áulicos e venenosa para a
diplomacia brasileira.
Durante seu
primeiro ano deste mandato, firmou-se como um chefe de Estado excêntrico. A
fala de Adis Abeba temperou a ignorância com irresponsabilidade.
Republicado em O Povo, de 21/02/24. Opinião. p.8.
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