O homem que fez a mudinha falar
Batista,
ignorante todo, brigado com a mulher, igualmente braba. Arrumando-se pra sair
de casa e fazer as compras do mês, vê pela janela que chove torrencial; pelos
carões que levara há pouco, tem nem por onde: vai é ganhar a lapa do mundo. Ela
se achega e, senso maternal aguçado, cuida:
-
Vai sair nessa chuva?
-
Não, vou esperar a próxima!!!
E
foi-se, a chuva deu um tempo. Batista no mercantil, joga a vista no preço de
cada item. Meia hora a empurrar o carrinho de compras, já pesado, entre
gôndolas e gente a sair pelo ladrão. Sem querer, a roda da frente do seu
transporte de mercadorias acerta a unha inflamada do dedão do pé da mulher que
vasculhava peito de frango, estacionando a carga bruta sobre o unheiro. Grito
de dor lancinantemente horroroso, acompanhado de tratamento nada gentil contra
um Batista entre atônito e lacônico, face ao inesperado.
-
Fí de rapariiiiiiiiga!!! Tá cego, fí duma éééééééégua!!!
Poderia
ter sido esse só mais um incidente de supermercado, não fosse o que havia por
trás do doloroso esturro da vítima - dona Diquesa de Joel. Explico: por força
de susto medonho que levou há 20 anos, ao ver o marido nu pela primeira vez,
perdera de vez a voz, sendo conhecida no bairro por "mudinha", a
"muda de Joel". O imbróglio só se desfez graças à intromissão da
desabrida cliente 'Inesona', que, testemunha ocular, entrou em cena pra tomar
satisfação, não em defesa de Batista, mas por reconhecer Diquesa.
-
Ei! Tu não é a mudinha que todo mundo tem pena no bairro? Tá falando agora, é?
-
Eu??? Falando???
-
Sim! Gritou, esculhambou o póbi desse hômi, chamando ele de fí disso, fí
daquilo!
Diquesa
de Joel descobre, enfim, que voltara a usar a voz para articular palavras. Era
"o milagre da roda do carro de compras que esmagou o dedo do unheiro da
mulher muda". O que era aperreio virou festa. A 'alálica' de há pouco
abraçou Batista, pediu ele em casamento, mas...
-
Dá certo não, dona ex-muda. Esse fí de rapariga aqui tem uma mulher que eu vou
te falar!
Velório em domicílio
Conhecido
por "Coronel", o velho Cróvi era o mandachuva do lugar, palavra dele
era ordem. Faça-se ou... Na morte de dona Sinésia, super querida, tivemos a
prova desse mandonismo. Cidade em peso prestando a derradeira homenagem à
defunta, menos ele. Velório na sala de casa desde as 19 horas. Gente pra lotar
a Arena Castelão. Enterro marcado pras dez da manhã seguinte.
Quase
à hora de enterrar Sinésia, família ressentida pela ausência ilustre do
Coronel. Imperdoável ausência. Sem o prestígio de Cróvi, um sepultamento pela
metade - "enterrinho muito do peba". A desculpa é que o homem estava
impossibilitado de sair de casa por força de uma diarreia em X. O que fez o
viúvo de Sinésia? Foi à fazenda dele.
-
Seu Cróvi, sem o seu batizado funéreo, a de cujas irá triste pro além.
-
Joãozito, desculpa aí! Tô me esvaindo em merda, hômi!
-
Coronel, minha véa tá ficando puba! Não enterro enquanto o senhor não for ver
ela!
Diante
de um viúvo insistente, Cróvio ponderou, olhando pro penico ali perto.
-
Já sei: traga o caixão aqui em casa. E não demore, sei nem se escapo dessa!
Outra do Jair
"Meu
vizinho descobriu que o chá da casca de mamão era bom pra não sei quê. O resto
do mamão ele dava pros porcos, pra engordar eles. O bairro inteiro soube da
arrumação e passou a se valer da casca do mamão pro chá e engordar porco com as
sobras. Em breve, porco exportado até pra Dubai. PIB local lá em cima e o povo
nem aí; o lance era o chá da casca de mamão, bom pra não sei quê..."
Fonte: O POVO, de 9/02/2024. Coluna
“Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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