Por Izabel Gurgel (*)
Todas as vezes que
cheguei à casa 55 da rua Boa Vista, no Centro de Juazeiro do Norte, encontrei
pelo menos uma Maria, e quase sempre mais de uma, com a mão na massa. A visita
não interrompe o trabalho. Uma casa-ateliê, a da família da mestra Maria de
Lourdes Cândido Monteiro (1939 - 2021) e João Américo Cândido afirma a força da
incidência, na vida do lugar, da máxima beneditina 'oração e trabalho', santos
óleos irrigadores da convocação feita por Padre Cícero: "Tragam sua arte
para o Juazeiro do Norte".
Escutei a frase acima de
Renato Dantas em uma tarde de julho de 2004, no antigo Grupo Escolar Padre
Cícero, no bairro do Socorro. O minicurso fazia parte do "III Simpósio
Internacional sobre o Padre Cícero do Juazeiro: e... quem é ele?". Renato
citava depoimento da professora Generosa Alencar, uma das órfãs criadas por
Padre Cícero, à curadora de artes visuais Dodora Guimarães.
"Em cada casa, um
altar e uma oficina", dizia Renato, convidando-nos a olhar a cidade a
partir d"A influência do Padre Cícero na arte popular". Na mesma
sala, ao lado do amigo pesquisador, Gilmar de Carvalho (1949-2021) nos oferecia
"Altares e Oficinas": "Juazeiro tem uma expressão de arte e
artesanato; aquela baseada na invenção, este, na habilidade, que desconcerta
qualquer expectativa que se faça". Releio nos anais do encontro realizado
pela Urca e Diocese do Crato. Publicação organizada por Annette Dumoulin, Ana Tereza
Guimarães e Maria do Carmo Forti.
Juazeiro teria sua
gênese incessantemente recriada por mulheres e homens como as gentes da família
Cândido (arte em barro), cujas moradias são oficinas, lugar de fazer as coisas
do mundo. Um saber fazer que se realiza no cotidiano, escala humana forjada na
necessidade, mãe e pai e rebento de toda criação. Desejo, necessidade, vontade,
como na canção dos Titãns.
Agora me ocorre a
casa-ateliê do mestre xilógrafo Stênio Diniz. Guarde o endereço: rua Coronel
Raul, 549, no Pio XII. Desejo que você possa um dia usá-lo, como sugere o poeta
Antônio Cícero no poema "Guardar", e se dê um presente, indo até lá.
A caminho da casa do Stênio, em fevereiro de 2023, João Pedro do Juazeiro me
disse: "Na xilo, é o melhor de todos nós".
João Pedro, que nasceu
em Ipaumirim, quer refazer, em livro, parte dos caminhos por ele percorridos na
cidade onde se criou. O Livro das Cândido, como se refere à publicação que
sonha ver materializada, é o primeiro de uma série sobre seus pares, mulheres e
homens que, na invenção de si e da sustentação da existência, zelam e velam
pela alegria do mundo.
Frutos da cidade-árvore,
João Pedro e Célia Carvalho tornam oficina cada casa da família em Fortaleza,
onde moram há mais de vinte anos. O sempre itinerante João Pedro precisa do
nosso apoio para tornar possível sua recuperação de um AVC. Valendo mais do que
nunca a máxima 'fé e trabalho'. João Pedro entra com o trabalho. E nossa melhor
oração é comprar xilos e livros da sua lavra. Pela primeira vez, cheguei à casa
dele e não o vi fazendo, riscando na madeira, imprimindo. Entre o Centro e
Jacarecanga, a casa é a de número 190 da rua Agapito dos Santos.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 17/03/24. Vida & Arte, p.2.
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