Por Izabel Gurgel (*)
Aurora, você e eu
sabemos, é a claridade que aponta o início da manhã, antes do nascer do sol. O
amanhecer. Copio de dicionários consultados via google. Além do sentido, é uma
palavra que dá gosto dizer. Acho bonito também como (res)soa. Achar bonito,
cito Clarice de memória, é um modo de entender.
Aurora é um município no
sul do Ceará, na região do Cariri, que, para mim, passou a ter sabor do queijo
de manteiga que Leonor aprendeu a fazer com a avó dela, Maria Raimunda.
Maria Leonor Rodrigues
Gonçalves fez 70 anos dia 8 de março. E nos últimos quarenta e sete, ela e o
marido Germano fazem queijo direto, como ela diz, para falar da permanência e
regularidade do trabalho artesanal. "Hoje fiz doze quilos", ela me
disse quando nos falamos por telefone. Uma tiragem de vinte e quatro unidades
de cerca de meio quilo cada.
Peço que ela me conte o
procedimento da feitura. "Se tiver pena de leite, não faz queijo de
manteiga". E ela me diz as medidas, proporções e cálculos, o passo a
passo, o coar o leite repetidas vezes, as mexidas e trocas de vasilhas, a lida
com o fogo, o tempo de descanso, o rigor da ciranda do fazer, a escolha da
matéria prima. Compra leite de gente consciente como Hamilton e Edivaldo.
"Só de olhar já sei se o leite tem água". Ingredientes? Só leite e
sal.
Não vou repassar aqui os
processamentos do leite, a feitura da coalhada crua, de um dia para o outro, a
separação da nata para fazer a manteiga da terra, o escaldar da coalhada, a
secagem dela em sacos de 'tecido ralo', a prensagem manual, a lavagem no leite
cru, o adicionar a manteiga etc.
Digo sem medo de errar
que, se você gosta de queijo, vai mudar sua compreensão sobre os de manteiga.
Não tem batata ou qualquer outra coisa para dar consistência ou cor, não se
acrescenta nada além de sal. Lembro de ouvir Germano contar quando da minha
primeira prova. Era final de romaria em Juazeiro do Norte.
Fico pensando que é um
destino bonito para leite de vaca virar queijo seguindo a cartilha de Maria
Raimunda. Ela via suas galinhas cheias serem arrematadas "caríssimas"
no leilão de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, padroeira do Tipi, onde, em
tempo de forno e fogão a lenha, o dia acordava sabendo da promessa que é cada
aurora.
No sítio Cabôco, Leonor
quer dar mais vida à lição da avó. "Quero que fique. E digam 'Foi Leonor
quem me ensinou'."
Ano passado, o queijo
passou a ser vendido no restaurante das filhas do casal, a Casa Malu, na Praça
Padre Cícero, no Centro de Juazeiro. É a primeira vez que é vendido assim. O
casal tem freguesia certa na própria cidade. "Não chega para quem
quer", conta Leonor. Hoje ela está na Estação das Artes, em Fortaleza, a
convite do mercado AlimentaCE. Se você levar um para casa, tire da geladeira
pelo menos uma hora antes de (se) servir.
E aprecie como você
faria com uma canção do nosso Fausto poeta.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 31/03/24. Vida & Arte, p.2.
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