Por Sabrina Matos (*)
Quando
o psiquiatra austríaco Leo Kanner, radicado nos EUA, definiu o autismo em 1943,
a denominação inicial era de distúrbio autístico do contato afetivo,
sinalizando uma condição com características específicas, como perturbação das
relações afetivas com o meio, solidão autística extrema, inabilidade com o uso
da linguagem para comunicação, comportamentos ritualísticos, início precoce e
incidência predominante no sexo masculino.
O que
nos chama a atenção enquanto profissional da saúde mental (e já não é de hoje)
é o desmedido nos diagnósticos de autismo, do transtorno do espectro autista,
assim como também dos diagnósticos de transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade. Nem vou abordar aqui os excessos nos diagnósticos de depressão
e ansiedade, igualmente estarrecedores.
No que
tange ao autismo, lembro-me de uma matéria em uma revista de circulação
nacional que apontava um percentual de prevalência de 25% na população, ou
seja, a cada 100 pessoas, 25 seriam autistas. Um dado absurdo sob todos os
aspectos. Urge nos questionarmos: a quem isso serve? Sim, porque o cenário é o
de uma verdadeira indústria do autismo. Uma epidemia de diagnósticos que serve
a uma outra indústria: a dos psicofármacos. Mas também a um mercado de diversos
"produtos" que vão de suplemento vitamínico para autistas, clínicas
especializadas, brinquedos e até o partido político dos autistas, o
"Agir".
Precisamos
nos atentar para o fato de que falar de autismo implica sempre algo complexo
por abranger etiologias múltiplas e deixar de lado discursos ancorados em
pseudociências que enfeitiçam, ancoradas, na maioria das vezes, nos
pausterizados protocolos de reeducação comportamental, por exemplo. É preciso
que se considere que cada sujeito é singular e único, a despeito de
sintomatologias que podem ser idênticas. Cada sujeito tem sua história, ocupa
um lugar na família, está inserido em um tempo, faz parte de uma cultura. Como
já disse o colega psicanalista Éric Laurent, falar de autismo é sempre uma
batalha.
(*) Psicóloga e psicanalista. Professora
da Unifor.
Fonte: Publicado In:
O Povo, de 19/04/2024. Opinião. p.22.
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