quarta-feira, 8 de maio de 2024

EPIDEMIA DE AUTISMO

Por Sabrina Matos (*)

Quando o psiquiatra austríaco Leo Kanner, radicado nos EUA, definiu o autismo em 1943, a denominação inicial era de distúrbio autístico do contato afetivo, sinalizando uma condição com características específicas, como perturbação das relações afetivas com o meio, solidão autística extrema, inabilidade com o uso da linguagem para comunicação, comportamentos ritualísticos, início precoce e incidência predominante no sexo masculino.

O que nos chama a atenção enquanto profissional da saúde mental (e já não é de hoje) é o desmedido nos diagnósticos de autismo, do transtorno do espectro autista, assim como também dos diagnósticos de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Nem vou abordar aqui os excessos nos diagnósticos de depressão e ansiedade, igualmente estarrecedores.

No que tange ao autismo, lembro-me de uma matéria em uma revista de circulação nacional que apontava um percentual de prevalência de 25% na população, ou seja, a cada 100 pessoas, 25 seriam autistas. Um dado absurdo sob todos os aspectos. Urge nos questionarmos: a quem isso serve? Sim, porque o cenário é o de uma verdadeira indústria do autismo. Uma epidemia de diagnósticos que serve a uma outra indústria: a dos psicofármacos. Mas também a um mercado de diversos "produtos" que vão de suplemento vitamínico para autistas, clínicas especializadas, brinquedos e até o partido político dos autistas, o "Agir".

Precisamos nos atentar para o fato de que falar de autismo implica sempre algo complexo por abranger etiologias múltiplas e deixar de lado discursos ancorados em pseudociências que enfeitiçam, ancoradas, na maioria das vezes, nos pausterizados protocolos de reeducação comportamental, por exemplo. É preciso que se considere que cada sujeito é singular e único, a despeito de sintomatologias que podem ser idênticas. Cada sujeito tem sua história, ocupa um lugar na família, está inserido em um tempo, faz parte de uma cultura. Como já disse o colega psicanalista Éric Laurent, falar de autismo é sempre uma batalha.

(*) Psicóloga e psicanalista. Professora da Unifor.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 19/04/2024. Opinião. p.22.


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