terça-feira, 7 de maio de 2024

O INFERNO É AQUI

Por Cláudia Leitão (*)

No português culto, a palavra "dantesco" está associada às imagens e sensações evocadas pelo Inferno, espaço eternizado pela obra magistral de Dante Alighieri, A Divina Comédia. Segundo o genial poeta florentino, os nove círculos do inferno organizariam os níveis de gravidade dos pecados humanos numa ordem crescente: o primeiro, reservado aos pagãos; o segundo, aos luxuriosos; o terceiro, aos gulosos; o quarto, aos avarentos e esbanjadores, o quinto, aos irados e rancorosos; o sexto, aos hereges; o sétimo, aos violentos; o oitavo, aos fraudadores e o nono, aos traidores.

Dante analisa e descreve a punição para cada ciclo de pecadores, entrevistando as almas, que vagam no Inferno e no Purgatório, em busca de purificação para alcançarem o Paraíso. O poeta atravessa em versos esses três mundos, numa alegoria magistral sobre o próprio caminhar da humanidade — das trevas à luz, do vício à virtude — sempre em busca de salvação. "Deixai toda a esperança, ó vós que entrais" é a primeira grande advertência da entrada do Inferno. Se a palavra "dantesco" anda em desuso, a simbólica do Inferno, imaginada e imageada por Dante, não poderia ser mais atual, seja pelo sentimento da desesperança, seja pela imagem de pandemônio (lugar de todos os demônios) que evoca.

Afinal, o Inferno tem sido diuturnamente banalizado, associando-se o "mal viver" a uma fatalidade sobre a qual nada há o que fazer. Dante identifica a violência, a fraude e a traição como os piores pecados humanos. Mas, o mal estar civilizacional moderno, ao invés de nos estimular a agir na direção de um mundo "menos infernal" — em que violência, fraude e traição sejam reconhecidos como "pecados capitais" — confunde e perverte. Assim, as imagens do Inferno crescem nos territórios vulneráveis (favelas, comunidades indígenas, guetos e zonas de genocídio), embora sua dimensão mais insidiosa esteja presente nas ações fraudulentas, violentas e traidoras perpetradas nos parlamentos, repartições públicas, tribunais, empresas, instituições religiosas e tantas outras expressões dantescas das organizações sociais no século XXI.

(*) Cientista Social. Professora da Uece. Sócia da Tempos de Hermes Espaço Criativo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 15/04/24. Opinião. p.20.Ref

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