Por Cláudia Leitão (*)
No português culto, a palavra
"dantesco" está associada às imagens e sensações evocadas pelo
Inferno, espaço eternizado pela obra magistral de Dante Alighieri, A Divina
Comédia. Segundo o genial poeta florentino, os nove círculos do inferno
organizariam os níveis de gravidade dos pecados humanos numa ordem crescente: o
primeiro, reservado aos pagãos; o segundo, aos luxuriosos; o terceiro, aos
gulosos; o quarto, aos avarentos e esbanjadores, o quinto, aos irados e
rancorosos; o sexto, aos hereges; o sétimo, aos violentos; o oitavo, aos
fraudadores e o nono, aos traidores.
Dante
analisa e descreve a punição para cada ciclo de pecadores, entrevistando as
almas, que vagam no Inferno e no Purgatório, em busca de purificação para
alcançarem o Paraíso. O poeta atravessa em versos esses três mundos, numa alegoria
magistral sobre o próprio caminhar da humanidade — das trevas à luz, do vício à
virtude — sempre em busca de salvação. "Deixai toda a esperança, ó vós que
entrais" é a primeira grande advertência da entrada do Inferno. Se a
palavra "dantesco" anda em desuso, a simbólica do Inferno, imaginada
e imageada por Dante, não poderia ser mais atual, seja pelo sentimento da
desesperança, seja pela imagem de pandemônio (lugar de todos os demônios) que
evoca.
Afinal, o
Inferno tem sido diuturnamente banalizado, associando-se o "mal
viver" a uma fatalidade sobre a qual nada há o que fazer. Dante identifica
a violência, a fraude e a traição como os piores pecados humanos. Mas, o mal
estar civilizacional moderno, ao invés de nos estimular a agir na direção de um
mundo "menos infernal" — em que violência, fraude e traição sejam
reconhecidos como "pecados capitais" — confunde e perverte. Assim, as
imagens do Inferno crescem nos territórios vulneráveis (favelas, comunidades
indígenas, guetos e zonas de genocídio), embora sua dimensão mais insidiosa
esteja presente nas ações fraudulentas, violentas e traidoras perpetradas nos
parlamentos, repartições públicas, tribunais, empresas, instituições religiosas
e tantas outras expressões dantescas das organizações sociais no século XXI.
(*) Cientista Social. Professora da Uece. Sócia da Tempos de Hermes
Espaço Criativo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 15/04/24. Opinião. p.20.Ref
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