Por
Luiza Vieira, jornalista de O Povo
Adélio atuava como bispo emérito da Diocese de Quixadá
A Diocese de Quixadá, município distante 169 km de Fortaleza,
perdeu nas primeiras horas da manhã de ontem, 30, o bispo emérito dom Adélio
Tomasin, de 94 anos de idade. O religioso, que ficou à frente da Diocese entre
os anos de 1988 e 2007, foi responsável por idealizar a construção de hospitais
e instituições de ensino superior no município. O bispo foi nomeado pelo papa
João Paulo II para a Diocese de Quixadá em 1988.
O velório de dom Adélio teve início às 16h de ontem, 30, na
Catedral de Quixadá com missa de corpo presente. Hoje, 1°, às 16horas, ocorrerá
uma missa no Santuário e, em seguida, o sepultamento.
Natural de Montegaldella, comuna na Itália, dom Adélio Tomasin
chegou no Brasil em 1961, aos 31 anos de idade, para morar no Rio Grande do
Sul, onde foi professor e diretor da Escola Técnica Padre João Calábria em
Porto Alegre. Ele também dirigiu a Escola Técnica Saint Joseph’s Tecnical
School, na Nigéria.
Em seu currículo, o bispo inclui ainda o cargo de superior geral
da Congregação Religiosa de Direito Pontifício. Dom Adélio é formado em
Filosofia e Teologia. Fez cursos de aprofundamento nessas duas áreas.
Na Diocese de Quixadá, fundou a Escola Artesanal do Sertão
Central, o Instituto de Filosofia e Teologia Nossa Senhora Imaculada Rainha do
Sertão, a Fundação Rádio Cultura de Quixadá e o Hospital Maternidade Jesus,
Maria e José.
O bispo emérito construiu, ainda, o santuário de Nossa Senhora
Imaculada Rainha do Sertão, no Morro do Urucum e a Faculdade Católica. À época,
concedeu uma entrevista ao O POVO e afirmou que, quando teve a ideia de criar o
santuário, pensou também no nome que daria à catedral.
‘‘Pareceu-me que os cearenses por muitos motivos deviam sentir e
compreender Maria como Mãe e Rainha. A Rainha é aquela que quando boa pensa nos
seus filhos, pensa em ajudá-los. Eu pensei que Maria devia ser vista como Mãe,
bondosa e poderosa em suas preces diante de Deus’’,
disse.
Em 2005, o bispo recebeu o jubileu de ouro, em alusão aos 50
anos de sacerdócio, quando ainda era bispo diocesano no Santuário de Nossa
Senhora Imaculada Rainha do Sertão.
No mesmo ano, mais precisamente no dia 23 de maio de 2005, as
páginas azuis do O POVO foram dedicadas à dom Adélio. No espaço, ele comentou
sobre os problemas do Sertão, onde fica o município. Em entrevista à jornalista
Rita Celia Faheina, o bispo mencionou que, mesmo vindo do Sul do Brasil, uma
semana depois de chegar ao Ceará já “tinha a impressão de ter nascido” no
Estado.
“Depois de uma semana, tinha a impressão de ter nascido aqui. Não
digo isso para agradar. Os outros bispos até perguntavam se estava me adaptando
e eu dizia que não podia nem oferecer a Deus o sacrifício porque realmente não
era um sacrifício, não me custa viver no Ceará”, disse à época.
Na mesma entrevista, o bispo revelou que ainda tinha um sonho a
ser realizado: “construir um mini distrito industrial para gerar emprego e renda
para os jovens”.
Como reconhecimento pelo trabalho que desenvolveu em Quixadá,
dom Adélio recebeu, em abril de 2003, o título de cidadão cearense em
solenidade na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), localizada em Fortaleza.
Repercussão
A Diocese de Quixadá, gerida por dom Adélio durante anos,
destacou, em nota, que o bispo emérito foi um pastor dedicado e deixou um
legado imensurável de fé, amor e serviço à Igreja Católica. "Ao
longo de seu ministério, foi exemplo de sabedoria pastoral, de cuidado com o
povo de Deus e de zelo pela unidade da Igreja."
"A Diocese de Quixadá se une em oração pela alma de dom Adélio,
confiando-lhe à infinita misericórdia de Deus, e se solidariza com seus
familiares, sacerdotes, religiosos e fiéis, que compartilham dessa grande
perda. Rogamos a Deus que o acolha em Sua glória e o faça participar da
felicidade eterna no Reino dos Céus".
A partida de dom Adélio fez com que a Prefeitura de Quixadá
decretasse luto oficial de três dias no município a partir desta segunda-feira,
30. A informação foi divulgada pelo gestor municipal, Ricardo Silveira, nas
redes sociais.
"Em sua brilhante jornada aqui na terra, dom Adelio fez do amor
ao próximo e da caridade suas grandes virtudes, deixando seu nome marcado na
história de Quixadá com suas grandes obras e benfeitorias, voltadas sobretudo
aos mais pobres."
Em razão do mesmo motivo, a Câmara de Dirigentes Lojistas de
Quixadá (CDL-Quixadá) emitiu um comunicado sugerindo que o fechamento do
comércio local nesta terça-feira, 1°, fosse considerado.
"Diante desse momento de luto coletivo, o fechamento dos
estabelecimentos comerciais seria uma forma simbólica de homenagem e
reconhecimento pelos anos de dedicação e serviço à nossa cidade. Tal ação
demonstraria nosso respeito à família do Bispo, aos fiéis e à comunidade em
geral", consta na nota à imprensa.
Ainda conforme o comunicado, a CDL reforça que, com a suspensão
das atividades comerciais na data, a população possibilitaria que a população
participasse das cerimônias de despedida e homenagens ao bispo.
O governador do Estado, Elmano de Freitas (PT) lamentou a morte
do bispo nas redes sociais. "Dom Adélio deixa um legado
de amor, fé e grandes realizações. Com certeza será lembrado com muita gratidão
pelo povo do nosso Sertão Central. Que Deus conforte o coração de todos".
O ex-senador Tasso Jereissati também emitiu um comunicado à
imprensa lamentando o ocorrido. De acordo com o político, Adélio dedicou a vida
às questões sociais do Estado, em especial aos temas relativos à educação. "Com
desprendimento e dedicação, soube como poucos entender as necessidades de
milhares de cearenses, em especial os mais pobres, que encontravam nele, além
do exemplo cristão, um defensor dos seus direitos", prossegue.
"Dom Adélio estará sempre presente em nossos corações e, desta
forma, lamentando sua morte, nos unimos em preces a todo o povo de Deus por
esse pastor e amigo, que tanto nos ensinou em vida".
Ilário Marques, ex-prefeito de Quixadá e assessor da Presidência
da República, se posicionou acerca da morte do bispo, afirmando que o legado do
religioso no município se perpetuará.
"Nos orgulha muito ter tido a oportunidade de dom Adélio ter
guiado a Igreja da terra dos monólitos. Nossas orações e solidariedade estão
com os membros da Diocese, leigos e religiosos, familiares, amigos e todo povo
de Quixadá".
Legados duradouros
Por
Waldélio Muniz, professor do Curso de Direito da FADET
Diz o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman que a
modernidade é líquida. E tudo que é líquido, simplesmente se esvai entre os
dedos. Na contramão desta tendência, por seus inúmeros legados, dom Adélio
Tomasin, em sua passagem terrena, mostrou ser possível tecer construções
sólidas e duradouras.
Nascido na província italiana de Vicenza, quis o destino que ele
passasse por lugares distintos como Uruguai, Nigéria e Rio Grande do Sul até
conhecer, se instalar e se apaixonar pelo sertão cearense, fincando bandeira na
Cidade dos Monólitos.
Como sacerdote, fez mais do que apenas ensinar aos fiéis o
caminho que leva a Deus. Ensinar era uma de suas virtudes e paixões, tanto que
parte expressiva do seu legado guarda relação com o ensino. Tinha plena
consciência de que educação é caminho transformador de vidas. E quantas vidas,
incontáveis, transformou por meio da educação!
Mas, pensava muito além, enxergava bem mais alto do que outras
visões alcançavam.
Vislumbrou sobre um monte rochoso a construção de um admirável
santuário e viabilizou o acesso de tantos fiéis até o seu topo, pondo Quixadá
no mapa do turismo religioso.
Apostou num ensino não apenas de qualidade, mas, principalmente,
inclusivo, mesmo quando poderia ter pendurado suas batinas.
Construiu canais de comunicação entre Igreja, cuja diocese
conduziu por quase duas décadas, e seus seguidores.
E pensou na saúde de todos, viabilizando meios para amenizar não
apenas as dores espirituais.
Entre tantos legados, hão de perguntar, não tinha também
defeitos? Claro que sim. Qual ser humano não os tem? Mas, a quem os importa? Na
sua trajetória não foram eles que o tornaram inesquecível!
Fonte: O Povo, de 1/10/2024. Cidades. p.17.
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