Por Marcos
Gurgel (*)
Como 2º Tenente R/2, do quadro de saúde, lotado no
Hospital do Exército em Fortaleza, cedido ao quartel do 23º Batalhão de
Caçadores, participei de uma ação cívico-social em um pequeno distrito de
Caucaia, região metropolitana de Fortaleza.
Consultório de campanha montado, iniciei o meu trabalho
no começo de uma bela manhã. Primeiro paciente, um falante que foi logo
dizendo:
"Toda vez que o Exército vem aqui em extraio um
dente; todo mundo aqui sabe que eu só extraio dente com o Exército, porque com
o Exército não dói!". Posicionei o saltitante paciente na cadeira
odontológica (de campanha, sem conforto), e comecei a trabalhar.
De cara, fraturei a corroa de um primeiro molar
inferior, e então ouvi:
"É sempre assim. Vá em frente Tenente, que eu sou
descendente de índios e tenho os dentes muito duros".
Início de carreira, pouca experiência, corria o ano de
1978. Então pensei em me valer do Capitão-Chefe, mas não o encontrei...
Convoquei então um esforçado soldado para me dar apoio e comecei o
quebra-quebra, com cinzel e martelo.
Dava sempre uma paradinha e, preocupado, perguntava:
– Dói? – e lá vinha a resposta, incontinenti:
– Como Tenente, se com o Exército não dói?
Duas horas de luta, consegui o intento, mediquei e
dispensei o paciente.
À noite, no acampamento, eu já deitado, eis que ouço o
índio falante procurando o Tenente Gurgel. Pensei: meu Deus, o coitado deve
estar morrendo de dor...
Com o coração em sobressalto me dirigi a ele e
perguntei:
– Você está com algum problema? Está com muita dor? – e
lá veio a resposta enfática:
– Não estou sentindo nada. Eu vim só saber do Senhor se
posso arrancar o dente vizinho amanhã de manhã...
E repetiu o velho chavão:
– Dor que nada, Tenente. Com o Exército não dói!
(*) Marcos Maia Gurgel (05/07/1953 - 20/07/2024), odontólogo e
escritor cearense (contador de histórias).
Postado
por Paulo Gurgel no Blog Linha do Tempo em 2/08/2024.
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