Por Izabel Gurgel (*)
A macaúba é vendida em tarrafas por Maria Cícera da Conceição na
rua São Paulo, no Centro de Juazeiro, na calçada do mercado. Trabalha ali desde
os 16 anos. Tem mais de 70. Mora no Horto, o Horto das Oliveiras recriado na
serra do Catolé, segundo a Nação Romeira.
O coco da macaúba é um dos coquinhos usados como cabeça de bilro
para fazer a renda de almofada. Ex-brincante da lapinha de Dona Dudu, Cícera
diz que havia rendeira no Horto quando ela era pequena. "Lembro das
meninas que faziam renda na almofada".
A polpa da fruta é vendida pertinho do mercado, servida em copo
tipo americano, aquele usado para tomar cerveja, uma dose de cachaça, um café
coado. Na loja de doces de João Martins, que a gente conhecia por "lá em
Madeilton", na rua de Santa Luzia, a polpa de macaúba vem no copo, pra
comer de colher.
Além da loja na parte da frente, Francisca, irmã de João Martins,
mora lá. Passa-se por dentro da oficina dela, de costura, para ir até a cozinha
de cheiro doce, com acento do que estiver no fogo à lenha ou na mesa em
preparação: banana, batata doce, gergelim, goiaba, mamão com coco...
A tarrafa que embala as macaúbas tem o nome da rede de pesca, com
formato similar. Remete à rede previamente tecida para a feitura do filé, outro
tipo de renda feita nos mundos Ceará.
Tem fileteira no Mercado Central em Fortaleza. Era um domingo
quando encontramos Andréa no box Dona Filé. Ela aprendeu depois de grande. E
tem gosto por ensinar. Deixo o telefone dela: (85) 99150.9692.
Tem fileteira em Cruzeirinho, distrito de Icó. Quero estar com
elas. Era um dia só para ver como mulheres e homens organizam a vida no modo
famílias assentadas, do MST, e nossa atenção se desenhou para ver melhor o
banco de leite. Das vacas direto para os cuidados na engrenagem de uso comum.
As mulheres cuidam do serviço que começa bem cedo.
O Cruzeirinho fica na margem esquerda do Jaguaribe, pensando no rio
em direção ao mar. É de onde o Salgado emparelha com o Jaguaribe, antes de nele
desaguar. No Cruzeirinho, estão juntos feito um par de bilros nas mãos de
rendeira. Na contramão do rio Salgado, volto para Juazeiro. E digo nas mãos de
Assunção Gonçalves, menina de recado do Padre Cícero, como ela gostava de
dizer. Quem viu a almofada dela pontuada por alfinetes de metal de cabecinha de
cor, diz "era uma pintura".
Assunção tem uma pintura, com pincel e tinta, no lado direito do
altar da igreja matriz de Juazeiro, a de N. Sra. das Dores. Juazeiro mítico
pintado por ela. Uma vez, vi ali um senhor tirar o chapéu, no limiar entre a
nave e o altar, erguer a mão direita, apoiá-la junto ao ouvido, e cantar para
Nossa Senhora das Candeias. Um bendito.
Escrevendo, lembrei de cada labirinteira que escutei em Canoa
Quebrada. O labirinto é outro tipo de renda, feita de agulha, como o filé.
Babai, Babuda, Berenice, Caluça, Carmélia, as Fernandas, Liduina, Marlinda...
Todas lembram de dias e noites de trabalho junto à grade onde se faz a renda
bordada ou o bordado rendado. De tantas noites de pouco claro, lamparina acesa,
compromete-se a vista.
Que tenhamos olhos para aprender com as rendeiras.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 1/09/24. Vida & Arte, p.2.
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