Por Izabel Gurgel (*)
"Exercícios de imaginação para outras possíveis
vizinhanças" está em uma das paredes da sede da Velaumar, organização
não-governamental criada em 2003 no Poço da Draga, na Praia de Iracema. Duas
pranchas com imagens desenvolvidas em uma proposição de Enrico Rocha a partir
de uma pergunta: como poderia ser, com a retirada de um muro, a vizinhança
entre a Caixa Cultural e o Poço da Draga.
Para se perguntar melhor, as astúcias da memória contam, assim, com
o que Enrico chama "um disparador do imaginar": emoldurados juntos,
um estudo/desenho de Cinira D'alva e um estudo/colagem de Hector Isaias. À
primeira vista, um susto ante a possibilidade do efeito do gesto de supressão
do muro. O corpo a bem dizer imediatamente convocado para a coragem de dizer
sim. Demore-se e usufrua de uma espécie de alívio. Como tirar um cisco do olho.
Encontrar o rumo depois de uma desorientação.
"Exercícios de imaginação para outras possíveis
vizinhanças" foi para a Velaumar depois da temporada na Caixa Cultural
como parte da exposição Performar, uma realização do Sobrado Dr. José Lourenço
na itinerância que vem realizando desde março de 2023, o projeto Percursos.
Vizinhança é uma compreensão que tomamos de ouvir o Enrico Rocha em
conversa por telefone para um texto que eu faria sobre o ano um dos Percursos e
na conversa pública a partir da mostra Performar. Na Caixa Cultural, a conversa
entre os pares - Enrico Rocha, Solon Ribeiro e Waléria Américo, ela responsável
pela curadoria da exposição - está disponível no canal do YouTube do Sobrado.
Vizinhança para pensar a lida com distâncias e proximidades, para
agenciamentos de interlocução, como um disparador da imaginação e do imaginar
outros mundos possíveis a partir de onde se está.
Depois da conversa pública, dia 25 de maio último, haveria um rolê
na P.I. (de Praia de Iracema) com Serginho Rocha, geógrafo nascido e criado no
Poço da Draga, menino de brincar de pegar bochecha no trem que passava pela rua
do trilho, por dentro do lugar onde vive. Claro que todos os meninos colavam as
bochechas para voar escondidos pelos muros invisíveis que as crianças, graças
ao divino, sustentam quando precisam fazer algo cujo risco as mães evitam do
mesmo modo que pedestres fazem quando têm de passar por ruas de muro alto.
Outro dia, fiz o rolê com Serginho. Anos antes, havia ligado para o
João (Carlos Góes) para conhecer a estação de compostagem então
recém-implantada, a Composta Poço. E ele me levou até a foz do curso d'água que
desemboca no mar, um dos rios|riachos invisíveis na cidade. Tem muro demais no
caminho dos nossos olhos. A gente não vê é a bem dizer nada. Caixa, tira pelo
menos um, vai!
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 13/10/24. Editorial, p.2.