quinta-feira, 14 de novembro de 2024

CAIXA CULTURAL E POÇO DA DRAGA: um muro a menos

Por Izabel Gurgel (*)

"Exercícios de imaginação para outras possíveis vizinhanças" está em uma das paredes da sede da Velaumar, organização não-governamental criada em 2003 no Poço da Draga, na Praia de Iracema. Duas pranchas com imagens desenvolvidas em uma proposição de Enrico Rocha a partir de uma pergunta: como poderia ser, com a retirada de um muro, a vizinhança entre a Caixa Cultural e o Poço da Draga.

Para se perguntar melhor, as astúcias da memória contam, assim, com o que Enrico chama "um disparador do imaginar": emoldurados juntos, um estudo/desenho de Cinira D'alva e um estudo/colagem de Hector Isaias. À primeira vista, um susto ante a possibilidade do efeito do gesto de supressão do muro. O corpo a bem dizer imediatamente convocado para a coragem de dizer sim. Demore-se e usufrua de uma espécie de alívio. Como tirar um cisco do olho. Encontrar o rumo depois de uma desorientação.

"Exercícios de imaginação para outras possíveis vizinhanças" foi para a Velaumar depois da temporada na Caixa Cultural como parte da exposição Performar, uma realização do Sobrado Dr. José Lourenço na itinerância que vem realizando desde março de 2023, o projeto Percursos.

Vizinhança é uma compreensão que tomamos de ouvir o Enrico Rocha em conversa por telefone para um texto que eu faria sobre o ano um dos Percursos e na conversa pública a partir da mostra Performar. Na Caixa Cultural, a conversa entre os pares - Enrico Rocha, Solon Ribeiro e Waléria Américo, ela responsável pela curadoria da exposição - está disponível no canal do YouTube do Sobrado.

Vizinhança para pensar a lida com distâncias e proximidades, para agenciamentos de interlocução, como um disparador da imaginação e do imaginar outros mundos possíveis a partir de onde se está.

Depois da conversa pública, dia 25 de maio último, haveria um rolê na P.I. (de Praia de Iracema) com Serginho Rocha, geógrafo nascido e criado no Poço da Draga, menino de brincar de pegar bochecha no trem que passava pela rua do trilho, por dentro do lugar onde vive. Claro que todos os meninos colavam as bochechas para voar escondidos pelos muros invisíveis que as crianças, graças ao divino, sustentam quando precisam fazer algo cujo risco as mães evitam do mesmo modo que pedestres fazem quando têm de passar por ruas de muro alto.

Outro dia, fiz o rolê com Serginho. Anos antes, havia ligado para o João (Carlos Góes) para conhecer a estação de compostagem então recém-implantada, a Composta Poço. E ele me levou até a foz do curso d'água que desemboca no mar, um dos rios|riachos invisíveis na cidade. Tem muro demais no caminho dos nossos olhos. A gente não vê é a bem dizer nada. Caixa, tira pelo menos um, vai!

(*) Jornalista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 13/10/24. Editorial, p.2.

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