Cama, mesa e banco
Era
menor de idade quando, por concurso, adentrou o seleto quadro de funcionários
do grande banco de fomento social. Passou faltando dois meses para completar a
maioridade, para a alegria da mãe - com cinco filhos para criar. Mas um
conhecido que trabalhava na instituição advertiu, assim meio que melando a
vara:
-
Esqueça que o menino vai assumir, amiga! É lei! Aqui, labutar, só com 18 anos
completos!
Fazendo
ouvido de mercador, a senhora partiu pra luta. Soube onde morava o gerente do
banco, levou consigo a reca de filhos, para comprovar reais dificuldades, e foi
enfática:
-
Manelzinho é arrimo de família, doutor! A carência de tudo lá em casa é
medonha!
Implorou
ao gerente que considerasse:
-
Pelo bem que o senhor quer à véa sua mãe, deixe o bichim trabalhar. É um
jumento de inteligente, passou com notas ótimas!
-
Tá bom, tá bom! Traga ele na agência amanhã e veremos o que é possível.
Gerente
ainda no quinto sono em casa, quando a mãe, Manelzinho e os broxotes chegam ao
estabelecimento. Esperam abrir as portas. Dez horas, rapaz do RH a postos. Mãe
corre. Rolam os procedimentos para análise da situação do rapaz. Funcionário:
-
Dezessete anos e dez meses. Condição de entrar, não! Cadê a carteira de
trabalho dele?
-
Vamos sair daqui e tirar!
Conversa
rolava entre a genitora e o encarregado do setor, quando o gerente, passando
longe, ouve a conversa e se intromete, pedindo admitisse o menino.
-
Mas ele não tem carteira de trabalho, Dr. Grijalva!
-
Problema não! Daqui que a documentação chegue a Brasília, ele terá 'interado'
os 18!
Dois
meses mais tarde, de maior, o banco tem novo funcionário. Mãe reconhecida:
-
Manelzinho, esse gerente é um anjo. D'hoje por diante, tudo que ele pedir,
faça!
"Não adianta nem tentar me
esquecer..."
Dr.
Grijalva era morto e vivo no cabaré. Pra tirar a suja, naquele final de
expediente de sexta-feira, chamou Manelzinho para acompanhá-lo.
-
Dotô, ainda não recebi meus vencimentos...
-
Deixe comigo! O Lagarta Pintada é nosso! Tem mais: lá chegando, pode dar o
grau!
Manelzinho
deu o grau. Tão empolgado, deixou a carteira funcional no quarto. E era tempo
de eleições municipais. O recém-ingresso no banco, de tanto a mãe insistir, foi
chamado a ser mesário. Lá está ele investido do papel de "verificar se a
urna e os cadernos de votação correspondem à zona eleitoral e à seção". A
certa hora, quem chega para votar? A criatura do Lagarta Pintada que Manelzinho
amou - Zuíla Cabelão, mais conhecida na cidade que arrastado de penico. Ele
tentou não ser reconhecido. Mas ela foi firme:
-
Oi, da mesa!!! Tu ontem deixou a carteira do banco na cama!!!
"Detalhe tão pequeno de nós
dois!"
O
Poeta dos Cachorros, pela 25ª vez, esqueceu de dar os parabéns à mulher.
Parecia de propósito o esquecimento da data do natalício dela, tão fácil de
decorar: 1º de abril. Mas, quedê lembrança? Na derradeira, agora no começo do
mês, Jair de novo passou batido, e ela cobrou brabo - era já por volta das 12
horas:
-
Meus parabéns, vai dar não!?! 'São já meio-dia' e nada!!!
-
Por que é que tu não me avisa com antecedência, mulher?
-
Bicho sonso, meu aniversário é todo ano no mesmo dia: 1º de abril!!!
-
Mentira!?! É de vera?!? Pois ano que vem eu vou me lembrar de não esquecer!!!
Fonte: O POVO, de 11/04/2025. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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