Por Pe. Manfredo de Araújo Oliveira (*)
Dirigindo-se ao colégio de cardeais, o
papa Leão XIV afirmou que gostaria que renovassem juntos a plena adesão ao
caminho que a Igreja universal percorre desde o Concílio Vaticano II. Entre
várias características deste caminho, citou duas centrais: o cuidado amoroso
com os marginalizados/excluídos e o diálogo confiante com o mundo
contemporâneo.
Isto implica uma tomada de consciência
dos traços da civilização técnico-científica que construímos na modernidade, em
que a ciência e a técnica deram à ação humana um alcance de dimensão
planetária, ampliando o horizonte de sua responsabilidade. A ação humana,
tecnicamente potencializada, pode deteriorar, de forma irrevogável, a natureza
e o próprio ser humano. Tal postura pressupõe uma dicotomia radical entre homem
e natureza e compreende ciência e técnica como instrumentos de domínio.
Um dos resultados mais visíveis deste
processo é o aumento crescente de bem-estar para uma parte da população
mundial, gerador de uma elevação do consumo, vinculada a uma intensa degradação
do meio ambiente natural, limitado em seus recursos, e ao aumento exponencial
da população, que provocou busca maior de recursos naturais.
A aporia básica desta civilização se
revela na terrível incapacidade de pôr um fim ao progresso calculável,
destrutivo de si mesmo e da natureza. Por esta razão, sabemos que estamos
diante da possibilidade de nossa própria extinção de tal modo que a catástrofe
ecológica se mostra hoje como o inimigo verdadeiro e, assim, constitui um
desafio para humanidade inteira. Construímos sociedades sem o mínimo de
respeito aos direitos mais fundamentais do ser humano e destruidoras da
natureza.
A configuração da relação entre os povos
passa por grandes transformações enquanto estão em curso tanto um processo de
imbricação mundial da vida política e cultural quanto um processo de
articulação de um sistema econômico mediante a inclusão de todas as sociedades
no sistema de mercado. Sobretudo nos mercados financeiros, que assumem a
condução de todo o processo econômico, legitimado por uma teoria econômica que
defende o mecanismo de mercado como a forma exclusiva de coordenação de uma
sociedade moderna.
Experimentamos um rápido crescimento
tecnológico que resulta num grande aumento da produção de riquezas, com a
diminuição dos custos das empresas provocada, também, pela diminuição da
mão-de-obra. Ao mesmo tempo, aumentam igualmente a fome e a miséria que
levam a uma desagregação social cada vez maior ou mesmo à morte de milhões de
seres humanos, à disparidade na distribuição de renda e de riqueza. São milhões
as crianças desnutridas no mundo e cada vez mais trabalhadores, nos países em
desenvolvimento, são expulsos do setor formal da economia para o setor
informal. Isto coloca cada ser humano, cada nação, cada cultura face ao desafio
de assumir possibilidades e riscos dos efeitos de suas ações.
O filósofo O. Höffe fala de uma
"globalização da violência", em que o arbítrio e o poder substituem o
direito nas relações entre os povos e as pessoas são marcadas por um crescente
egoísmo individual e grupal, pela criminalidade organizada, pelo comércio de
armas, drogas e seres humanos, pelo terrorismo internacional.
(*) Padre e Doutor em Filosofia. Professor de
Filosofia da UFC.
Fonte: O Povo, de 18/05/2025. Opinião. p.18.
Nenhum comentário:
Postar um comentário