domingo, 25 de setembro de 2011

PROCURA-SE UM BOM PASTOR

Dom Aloísio, Leo Arlindo Lorscheider, * 8/10/1924 † 23/12/2007
Por Carlo Tursi (*)
Já tiveste a sensação de alguém, falecido há algum tempo, permanecer “vivo” para ti? Permanecer fortemente presente em teu pensamento, continuar a servir de farol luminoso para o teu agir? Muito mais do que certas pessoas ainda vivas?
É assim que nos acontece com personagens marcantes, fascinantes, vibrantes, visionárias. É assim que me acontece com dom Aloísio Lorscheider, cujo quarto aniversário de morte (23/12/2007) se aproxima. Tenho uma foto dele colada na minha mesa de trabalho, é verdade, mas é a imagem dele que me vem à mente quando penso na Igreja em que acredito. Por que será?
Indubitavelmente, porque dom Aloísio tinha um perfil próprio, possuía um estilo inconfundível, era uma personalidade. Não se parecia com esta imagem episcopal padronizada e imposta que impera hoje: a dos prelados pomposos, envoltos numa aura de sagrado luminoso, mas sem quase nenhuma irradiação pessoal, donos de um discurso oficioso ensaiado, homologado, genérico e – em última análise – irrelevante para os destinos do nosso mundo. Bispos sem estatura própria, meninos de recado do Grande Pai em Roma, do Santo Padre (que blasfêmia, meu Deus!), cumpridores solícitos de ordens superiores, que nunca dizem o que realmente pensam, mas somente o que são mandados para dizer em nome da Instituição Eclesiástica. Bispos que cavalgam ad nauseam velhos cavalos de batalha como o aborto e a moral sexual (dos leigos, é claro!), mas que se calam diante das maiores atrocidades e injustiças que afligem a nossa sociedade. Bispos que me entediam com o que falam e não me arrastam, pelo seu exemplo, à prática do bem, à transformação do mundo. Ao contrário destes bispos mornos, dom Aloísio era quente, na fala e no testemunho pessoal. Quer ver? Então veja:
Na fala: “Estamos fazendo bonitas palestras, pregando belos retiros [...], mas na realidade, não estamos concluindo nada! As grandes iniciativas realmente relevantes não estão saindo, porque ainda não reconhecemos, de fato [...], a função e a dignidade cristã do leigo e da leiga” (MLA* pp.144-145). Ou que tal isto: “O leigo deve ter sua própria condição dentro da Igreja. Não deveriam ser convidados leigos ‘maquiados’ e sim, leigos-leigos” (MLA p.47). “Sem luta e engajamento, não se chega à felicidade verdadeira! [...] Agora, a grande maioria das pessoas, hoje, espera do recurso ao sagrado, em primeiro lugar, proteção e defesa contra todos os males. “A motivação religiosa encontra-se muito mais próxima do medo e da insegurança do que da convicção e do compromisso” (MLA p.140). “O que acontece é que os cristãos se tornam cautelosos, não querem se expor. Está desaparecendo a espontaneidade. Para que haja mais espontaneidade deveremos, da parte do episcopado, aceitar a franqueza das pessoas. Um indivíduo que fala com franqueza não quer ofender ninguém, mas quer ajudar: isto está faltando na Igreja!” (MLA p.172). “Foram dois desafios que não foram abraçados: a opção preferencial pelos pobres e a organização das CEBs. É um desastre: O clero não acompanha as CEBs!” (MLA p.85).
Estás vendo? Qual o bispo que, hoje, ousa falar assim?
E no testemunho: Tenho fotos de dom Aloísio visitando casas e casebres no Morro do Teixeira/Castelo Encantado, subindo e descendo – na areia das dunas – os becos de favela, levando fé, esperança e amor aos pobres. Guardo ainda hoje recortes de jornal que mostram o mesmo dom Aloísio em um dos presídios mais perigosos da Ceará, o qual costumava frequentar (Qual o bispo que ainda leva a sério a palavra de Jesus: “Eu estive preso e tu foste me ver”?). Lembro-me como dom Aloísio criou e equipou o Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos na Arquidiocese, para prestar assistência jurídica às populações indefesas, sobretudo aos indígenas (perguntar não ofende: quanto o Arcebispado investe, atualmente, neste trabalho?).
Foi dom Aloísio que patrocinou experiências de formação seminarística inserida no meio popular, fora do Seminário. Também foi ele que conseguiu, por sua iniciativa pessoal, reverter uma ordem vinda do Vaticano para despedir os padres casados que atuavam como professores no curso de Teologia. Para não falar do incentivo importante que ele deu à criação da Conferência Nacional dos Leigos no Brasil – projeto abortado pela CNBB de hoje.
Por tantas palavras e atitudes corajosas e marcantes, a figura de dom Aloísio permanece vivíssima e luminosa para mim. Já não posso dizer a mesma coisa de muitos prelados pasteurizados que hoje desfilam solenemente seus paramentos em torno dos altares até desaparecem, literalmente, na nebulosidade do incenso: às vezes, me lembram os “sepulcros caiados” de quem falava Jesus... – cala-te, boca!
Salve, Dom Aloísio, salve-nos!
Bispos que me entediam com o que falam e não me arrastam, pelo seu exemplo, à prática do bem. Ao contrário destes bispos mornos, dom Aloísio era quente, na fala e no testemunho pessoal.
(*) Teólogo e professor.
Fonte: O Povo, Jornal do Leitor, 24/09/2011. p.2.

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