terça-feira, 20 de março de 2012

O ZÉ PINTO DA SUCATA

Francisco Magalhães Barbosa, o conhecido Zé Pinto, nasceu em Fortaleza, Ceará, em 28 de setembro de 1925. Era ele filho de Antônio de Freitas Barbosa e dona Maria Magalhães Barbosa. Escultor autodidata, com um DNA realmente fantástico, ao ponto de nunca ter frequentado uma escola especializada, casou-se com Maria Zenor Cassiano Barbosa, tendo com ela onze filhos, o que dá a impressão do quanto era realmente pródigo, tanto na feitura de gente, como de obras de arte.
Quando Zé Pinto entrou no mundo das artes plásticas, ele não era assim tão novo. Tinha mais de 50 anos, fato que não o impediu de ganhar a mídia, ao expor suas criações no canteiro da avenida Bezerra de Menezes, na década de 1970.
Por essa época, ele era apenas um “marchand”, encarregado de vender os trabalhos executados por seus filhos, os quais, desde muito cedo, já se dedicavam à elaboração de belas peças produzidas com diferentes materiais: cascas de coco, fio elétrico e couro. Eram quadros com paisagens variadas, que incluíam pescadores, rendeiras e jangadas. Os artefatos eram negociados por Zé Pinto em várias partes de Fortaleza, rendendo dinheiro enquanto viravam peças de decoração.
Já cinquentão, ao descobrir-se com o dom da arte, Zé Pinto deixou o emprego na Universidade Federal do Ceará, onde reparava motores, para se tornar um artista bastante popular, criando estranhos objetos através de sucatas de ferro.
A primeira peça que criou foi um galo, talvez até porque ele fosse um Pinto. Em seguida, vieram: “Lampião”, “Maria Bonita”, “Padre Cícero”, “Dom Quixote”, “Chaplin”, “Bumba-meu-boi”. Entre as suas inúmeras criações não faltavam trens, carros, cachorros, canhões e caracóis, além de outras que o faziam voltar ao tempo da infância, quando, menino ainda, produzia seus próprios brinquedos. Quem sabe não tenha sido aí que tomou a decisão de ser um escultor diferente dos que existiam, na cidade, escolhendo, por conta própria, a sucata como matéria-prima para suas esculturas.
Dessa maneira, fez-se garimpador de ferro velho, transformando em arte alumínio amassado, pregos envergados e molas desformes. A tudo dava um sentido de movimento, visível nas obras plásticas, conjugando estética e estática. Para expor os seus trabalhos, Zé Pinto reinventou a galeria. Derrubou muros e socializou a arte em espaços ao ar livre. Isso se fez bem presente em 1975, quando expôs no canteiro central da Avenida Bezerra de Menezes, em Fortaleza, que ele batizou de “Pintódromo”, uma escultura do cantor Luiz Gonzaga, montada a partir de pára-choques, parafusos e outras peças sucateadas de carro velho. Ninguém precisava pagar para ver a majestade daquelas obras, que se destacavam pelo equilíbrio, pela espirituosidade, enfim, pelo lampejo do gênio.
O sucesso chegou célere. Não a pé, nem de bicicleta, veículo preferido pelo escultor para ir de um lugar a outro, à cata de matéria bruta, para construir suas esculturas. A mídia encarregou-se disso. Inicialmente, as criações de Zé Pinto foram expostas nos museus, praças, prédios e ruas de Fortaleza, só após transpondo as divisas do Ceará e do Nordeste e as fronteiras do Brasil. O artista participou de algumas mostras e exposições pelo País, chegando a expor no exterior, deixando por onde passava, a marca da sua genialidade.
Hoje, a produção artística de Zé Pinto pode ser encontrada em museus de Portugal e do Vaticano, além de figurar em acervos particulares na França, na Holanda, e em cidades, como Frankfurt e Colônia, na Alemanha, e ainda em Nova York e New Hamphire, nos Estados Unidos.
Em 1996, ano da morte de sua esposa, o artista parou de produzir. Depois de três AVC sofridos, em 1997 ele já não podia mais criar. Mais algum tempo e o Zé Pinto, com a idade de 79 anos, foi exercitar sua criatividade no céu. Não se pode aceitar que ele tenha falecido, de fato, em 2004, em Fortaleza, porque até hoje, quando se vê o Dom Quixote feito por ele, fica-se a imaginar, que o grande Zé Pinto continue pedalando sua bicicleta, em busca de moinhos de vento, para verificar, talvez, se há alguma sucata de aço e de sonho sobrando, que ele possa transformar em arte.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Médico e economista
* Publicado In: O Povo. Fortaleza, 20 de março de 2012. Jornal do Leitor. p.2.

3 comentários:

  1. Parabéns pelo resgaste da biografia de um grande artista da terra, Zé Pinto da Sucata.

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  2. ZÉ PINTO - 2,
    [Postagem de hoje do "Linha do Tempo"]
    Referências:
    Revista ARSENAL de Literatura, novembro de 1980
    Oboé - Dicionário de Artes Plásticas do Ceará
    Wikipédia
    ZÉ PINTO, Blog "Linha do Tempo"
    O ZÉ PINTO DA SUCATA, "Blog do Marcelo Gurgel" (sendo esta, a partir de agora, a fonte de informação mais completa sobre o artista)

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  3. Bela homenagem. Conheci Zé Pinto. Era uma figura. Certa ocasião, quando eu era professor de artes do Colégio Redentorista, levamos o mestre Zé para falar de seus trabalhos artísticos para garotada.

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