Por Olavo de Carvalho
Desde o começo da sua epopeia, os birthers não
seguiram a estratégia mais simples e racional que teria lhes permitido, já em
2008, jogar Barack Hussein Obama na lata de lixo da História de uma vez para
sempre.
A tese que defendiam era substancialmente verdadeira: o
homem havia se apresentado às eleições com falsa identidade. O lugar dele,
portanto, não era na Casa Branca, nem mesmo no Senado ou na lista de candidatos
à presidência. Era na cadeia.
Tendo
nas mãos a prova do crime, poderiam tê-la desfechado logo no coração do
inimigo, como uma bala de prata, e ir para casa seguros de que haviam não só
dado cabo do vampiro, mas aleijado gravemente a ala esquerda do Partido
Democrata.
Bastava
um processo criminal contra o qual Obama, então mero candidato, não tinha a
proteção da imunidade presidencial nem podia mobilizar o aparato repressivo e a
máquina publicitária do Estado, como veio a fazer mais tarde.
Em
vez disso, preferiram dar ao caso as dimensões de uma crise constitucional,
complicando tremendamente a guerra e envolvendo-se em intermináveis discussões
sobre a elegibilidade e a nacionalidade do candidato, que debilitaram sua causa
ao ponto de dar-lhe a aparência de uma "teoria da conspiração",
expô-la a toda sorte de gozações maliciosas e condená-la a uma sucessão de
derrotas judiciais.
Desde
logo, a lei determina que acusações de inelegibilidade, uma vez vitorioso o
candidato, só podem ser apresentadas por quem comprove ter sido pessoalmente
prejudicado no curso das eleições. Como ninguém tem como provar isso, e só quem
tem, que é John McCain, não quer briga, todos os processos tentados pelos birthers
até agora foram rejeitados in limine.
Em
segundo lugar, a prova de inelegibilidade dependia da interpretação que se
desse ao preceito constitucional de que só cidadãos americanos nativos podem
ser candidatos à presidência. Os birthers argumentam que, para
os signatários da Constituição, "nativo" significava nascido em
território americano de pais (no plural) americanos. O argumento está certo, em
princípio, mas nem todos os constitucionalistas admitem que o texto do
documento fundador do Estado americano deva ser interpretado no seu sentido
originário.
Muitos
querem adaptá-lo ao "espírito dos tempos".
Pode-se
alegar que esse espírito é muitas vezes o espírito de porco, mas o fato é que o
debate já existia desde muito antes do caso Obama: o argumento constitucional,
portanto, dependia de uma premissa que nada tinha de unânime ou autoprobante.
Em
terceiro lugar, a própria inexistência de provas válidas da nacionalidade de
Obama, em vez de ajudar os birthers, acabou por favorecer o suspeito.
Escorado no direito à privacidade, o espertinho manteve quase todos os seus
documentos trancados a sete chaves, sabendo que uma investigação para tirar a
coisa a limpo só poderia realizar-se por ordem judicial e que não haveria ordem
judicial sem processo.
Por
que o movimento birther escolheu o caminho mais complicado e até hoje
continua a trilhá-lo entre dores e humilhações?
Em
2008 já havia sérios indícios de que era falsa a certidão resumida que o bloco
obamista havia divulgado para exorcisar às pressas a vaga suspeita de um
nascimento queniano, espalhada pela internet. A prova efetiva da falsidade, porém,
dependia de exames periciais que só um juiz poderia ordenar no curso de um
processo.
Logo
em seguida, porém, veio uma prova material muito mais evidente, muito mais
contundente, que não dependia de peritagem nenhuma, por ser visível com os
olhos da cara. Não estava na certidão de nascimento, mas no certificado de
alistamento militar (selective service) de Barack Hussein Obama: num
lance digno do Exterminador do Futuro, o homem tinha assinado em 1980 um
formulário que só viria a ser impresso em 2008. E o carimbo com a data tinha
sido patentemente adulterado, recortando os algarismos 0 e 8 para montar um
simulacro de "1980", sem o 1 e o 9. Não poderia ser mais evidente a
tentativa de construir uma falsa biografia oficial ex post facto por
meios pueris.
Sem
nem mesmo levantar a questão da inelegibilidade, um processo-crime por
falsidade documental, ainda que não chegasse a conclusão nenhuma antes das
eleições, teria bastado para mostrar ao eleitorado a verdadeira face de Barack
Hussein Obama, desmoralizando sua candidatura pelo caminho mais simples e
rápido.
Se
os birthers não perceberam isso ou não quiseram admiti-lo, foi, entre
outros motivos, pelo seguinte: quem cantou a bola do alistamento militar foi a
colunista Debbie Schlussel, que em alguns meios conservadores tem a fama de
excêntrica amalucada. E o crime que ela denunciava era tão grosseiro, tão
estúpido, que podia soar inverossímil.
Quem
iria acreditar que um senador americano, candidato à presidência, conseguira
enganar o seu próprio partido e a nação inteira com um truque bocó? Com toda a
evidência, o critério da credibilidade aparente e do "prestígo da
fonte", falou mais alto que o da materialidade dos fatos. A acusação de
inelegibilidade pareceu alternativa mais respeitável.
Os birthers,
em suma, acharam que seguindo a dica de Debbie Schlussel ficariam parecendo um
bando de malucos. Ao optar pela aparência respeitável, não notaram que estavam
cedendo o terreno ao inimigo: uma vez eleito e empossado, Obama já não era um
simples indivíduo – era "a Presidência". Investido, assim, da mais
respeitável das aparências, afivelou com a maior facilidade a máscara de
malucos no rosto daqueles que tudo haviam sacrificado para evitá-la.
Moral da história:
antes uma verdade inverossímil do que uma verossimilhança enganosa.
Publicado no Diário do Comércio, 29 de junho, 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário