terça-feira, 25 de junho de 2013

O poder não muda o poder



Por Ricardo Alcântara (*)
Era 1958 e o Brasil enfrentaria a URSS pela Copa do Mundo. Ao receber do técnico da seleção precisas instruções táticas, o genial Mané Garrincha reagiu com devastadora ironia: perguntou a Vicente Feola se ele havia “combinado tudo aquilo com os russos”.
Lembrei o episódio, muito conhecido, quando vi aquela massa de jovens queimando as bandeiras do PT que alguns militantes ousaram levar às ruas, mesmo contra a evidente disposição dos manifestantes de se manterem distantes dos partidos políticos.
As ruas foram o berço do PT e nos braços das ruas ele chegou ao poder, mas, uma vez lá, as abandonou. Pragmatismo extremado, se uniu ao que de pior houvera combatido para dar trânsito a um programa de governo moderado: na melhor versão, um social liberalismo.
Entidades sociais com ele identificadas, e antes diferenciadas pela combatividade, submergiram, em troca de ganhos sociais notórios, ao silêncio, solidários à continuidade de uma política econômica de pretensões reformistas modestas, para dizer o mínimo.
A conciliação com o status quo tinha como pressuposto – agora desautorizado por completo – que a sociedade não haveria como se mobilizar sem o apoio de sua extensa rede de articulação civil. Mas como os “russos” não foram consultados, ocuparam as ruas.
No início, tudo parecia o melhor dos mundos: como os tucanos já haviam feito o serviço pesado, o governo popular daria respostas mais efetivas aos miseráveis. A popularidade do presidente explodiu e o partido fora substituído em sua autonomia pelo “lulismo”.
Agora, quando um excedente de massa podre subiu à cabeça do presidente do PT, Rui Falcão, ele expôs sua militância à rejeição dos manifestantes porque tardiamente percebeu a obviedade que a prepotência os impedira de admitir: o tempo não para, companheiro!
A mesma sociedade que garante bons índices de aprovação ao governo necessariamente não o faz concordando com a segunda parte do discurso governista, que tenta convencê-la de que atua no limite máximo de todas as possibilidades. Não é assim que funciona.
Os governos petistas apostaram todas as suas fichas em Renda – bolsa-família, ampliação do crédito, maior oferta de emprego – e deram respostas pífias quando ganhos relevantes com Educação, Saúde, Segurança e Transparência foram reclamados.
Havia uma tese embutida no acordão com o fisiologismo: sem suas ordens, ninguém reuniria dez garotos numa esquina. Certo? Errado, pelo que se vê: as bandeiras vermelhas que flamularam os melhores sonhos servem agora como estopas para incinerar viaturas.
Mas a leveza mágica que fez brotar do chão uma penca de modernos estádios despertou na população a percepção de que coisas maravilhosas acontecem quando recursos e interesses se encontram. Logo, por que não hospitais, também? Para eles, simples assim.
Mais que revolta – é rara sua combinação com um ambiente de tão motivado pacifismo – o que se mostra é o mal estar de uma sociedade que se crê capaz de realizar-se em patamar de civilidade acima do que projeta um sistema representativo que não a representa.
Enquanto a Coca-Cola, principal patrocinadora da copa, cobria com tapumes as vitrines de sua loja para não ser apedrejada – emblema acabado do fracasso que as ruas impuseram à esperteza mercadológica – a presidente parece finalmente ter encontrado a própria língua.
Falando ontem em cadeia nacional, Dilma Rousseff foi protocolar demais para o calor das horas – uma chuva fina que, ao meio dia de um verão tropical, evaporou antes mesmo de ter tocado o chão. Poucas vezes assisti a um tão incomodado espetáculo de incompetência.
Dilma foi desonesta na definição dos fatos. As arenas serão, sim, pagas com recursos públicos: o BNDES as financiou a juros subsidiados para serem honradas – se é que serão – pelos governos estaduais. No lápis? Só em Brasília, cada adulto vai pagar três mil reais!
Ela não deu, porque se der seu mundo desaba, a única explicação que tardiamente passou a interessar à população: por que a copa no Brasil custará o mesmo valor gasto pela Alemanha, Japão e Coreia e África do Sul nas três últimas competições – juntos! Por que?
Mas disse a uma nação que, farta de mentiras, já quase cerca seu palácio, ser o seu governo zeloso com transparência, como se isto fosse possível alcançar cobrindo de alegrias a mercadores da governabilidade como José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá.
Ao projetar um desfecho para o impasse, não foi menos infeliz: se reunirá com os “outros poderes” (igualmente inundados pelo lodo patrimonialista) e entidades sociais (cooptadas pelo governismo e alheias aos atos públicos) pelas “soluções que a sociedade reclama”.
Sabe como escutam àquela fala os que ocupam as ruas? Assim: “Sei que vocês odeiam os políticos e não confiam na pelegada da CUT, mas é com esses caras que eu vou sentar para ver como é que a gente faz para mandar vocês de volta até a casa dos seus pais”. Pfiu!
A presidente sabe muito bem o que lhe faria tocar o sentimento das ruas: colocar nas mãos dessa rapaziada um projeto de iniciativa popular para colher dez milhões de assinaturas por uma ampla e efetiva reforma política e aprová-la no congresso com o povo na praça.
Uma reforma que distribua melhor as oportunidades de exposição às forças políticas, imponha aos partidos procedimentos democráticos, dê real poder ao voto unitário de cada cidadão e torne a atividade política desinteressante como anseio profissional. No mínimo.
Não o fará porque isto quebraria a espinha dorsal da carcaça que sustenta seu governo, contrariando aqueles que lhe poderiam expor as vísceras em questão de horas. Não o fará porque o poder não muda o poder. Nunca mudou. Não mudará. Logo, não se dispersem!
(*) Jornalista e escritor. Publicado In: Pauta Livre.
Pauta Livre é cão sem dono. Se gostou, passe adiante.

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