Por Ricardo
Alcântara (*)
Era 1958 e o Brasil enfrentaria a URSS pela Copa do
Mundo. Ao receber do técnico da seleção precisas instruções táticas, o genial
Mané Garrincha reagiu com devastadora ironia: perguntou a Vicente Feola se ele
havia “combinado tudo aquilo com os russos”.
Lembrei o episódio, muito conhecido, quando vi aquela
massa de jovens queimando as bandeiras do PT que alguns militantes ousaram
levar às ruas, mesmo contra a evidente disposição dos manifestantes de se manterem
distantes dos partidos políticos.
As ruas foram o berço do PT e nos braços das ruas ele
chegou ao poder, mas, uma vez lá, as abandonou. Pragmatismo extremado, se uniu
ao que de pior houvera combatido para dar trânsito a um programa de governo
moderado: na melhor versão, um social liberalismo.
Entidades sociais com ele identificadas, e antes
diferenciadas pela combatividade, submergiram, em troca de ganhos sociais
notórios, ao silêncio, solidários à continuidade de uma política econômica de
pretensões reformistas modestas, para dizer o mínimo.
A conciliação com o status quo tinha como
pressuposto – agora desautorizado por completo – que a sociedade não haveria
como se mobilizar sem o apoio de sua extensa rede de articulação civil. Mas
como os “russos” não foram consultados, ocuparam as ruas.
No início, tudo parecia o melhor dos mundos: como os
tucanos já haviam feito o serviço pesado, o governo popular daria respostas
mais efetivas aos miseráveis. A popularidade do presidente explodiu e o partido
fora substituído em sua autonomia pelo “lulismo”.
Agora, quando um excedente de massa podre subiu à cabeça
do presidente do PT, Rui Falcão, ele expôs sua militância à rejeição dos
manifestantes porque tardiamente percebeu a obviedade que a prepotência os
impedira de admitir: o tempo não para, companheiro!
A mesma sociedade que garante bons índices de aprovação
ao governo necessariamente não o faz concordando com a segunda parte do
discurso governista, que tenta convencê-la de que atua no limite máximo de
todas as possibilidades. Não é assim que funciona.
Os governos petistas apostaram todas as suas fichas em
Renda – bolsa-família, ampliação do crédito, maior oferta de emprego – e deram
respostas pífias quando ganhos relevantes com Educação, Saúde, Segurança e Transparência
foram reclamados.
Havia uma tese embutida no acordão com o fisiologismo:
sem suas ordens, ninguém reuniria dez garotos numa esquina. Certo? Errado, pelo
que se vê: as bandeiras vermelhas que flamularam os melhores sonhos servem
agora como estopas para incinerar viaturas.
Mas a leveza mágica que fez brotar do chão uma penca de
modernos estádios despertou na população a percepção de que coisas maravilhosas
acontecem quando recursos e interesses se encontram. Logo, por que não
hospitais, também? Para eles, simples assim.
Mais que revolta – é rara sua combinação com um ambiente
de tão motivado pacifismo – o que se mostra é o mal estar de uma sociedade que
se crê capaz de realizar-se em patamar de civilidade acima do que projeta um
sistema representativo que não a representa.
Enquanto a Coca-Cola, principal patrocinadora da copa,
cobria com tapumes as vitrines de sua loja para não ser apedrejada – emblema
acabado do fracasso que as ruas impuseram à esperteza mercadológica – a
presidente parece finalmente ter encontrado a própria língua.
Falando ontem em cadeia nacional, Dilma Rousseff foi
protocolar demais para o calor das horas – uma chuva fina que, ao meio dia de
um verão tropical, evaporou antes mesmo de ter tocado o chão. Poucas vezes
assisti a um tão incomodado espetáculo de incompetência.
Dilma foi desonesta na definição dos fatos. As arenas
serão, sim, pagas com recursos públicos: o BNDES as financiou a juros
subsidiados para serem honradas – se é que serão – pelos governos estaduais. No
lápis? Só em Brasília, cada adulto vai pagar três mil reais!
Ela não deu, porque se der seu mundo desaba, a única
explicação que tardiamente passou a interessar à população: por que a copa no
Brasil custará o mesmo valor gasto pela Alemanha, Japão e Coreia e África do
Sul nas três últimas competições – juntos! Por que?
Mas disse a uma nação que, farta de mentiras, já quase
cerca seu palácio, ser o seu governo zeloso com transparência, como se isto
fosse possível alcançar cobrindo de alegrias a mercadores da governabilidade
como José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá.
Ao projetar um desfecho para o impasse, não foi menos
infeliz: se reunirá com os “outros poderes” (igualmente inundados pelo lodo
patrimonialista) e entidades sociais (cooptadas pelo governismo e alheias aos
atos públicos) pelas “soluções que a sociedade reclama”.
Sabe como escutam àquela fala os que ocupam as ruas?
Assim: “Sei que vocês odeiam os políticos e não confiam na pelegada da CUT, mas
é com esses caras que eu vou sentar para ver como é que a gente faz para mandar
vocês de volta até a casa dos seus pais”. Pfiu!
A presidente sabe muito bem o que lhe faria tocar o
sentimento das ruas: colocar nas mãos dessa rapaziada um projeto de iniciativa
popular para colher dez milhões de assinaturas por uma ampla e efetiva reforma
política e aprová-la no congresso com o povo na praça.
Uma reforma que distribua melhor as oportunidades de
exposição às forças políticas, imponha aos partidos procedimentos democráticos,
dê real poder ao voto unitário de cada cidadão e torne a atividade política
desinteressante como anseio profissional. No mínimo.
Não o fará porque isto quebraria a espinha dorsal da
carcaça que sustenta seu governo, contrariando aqueles que lhe poderiam expor
as vísceras em questão de horas. Não o fará porque o poder não muda o poder.
Nunca mudou. Não mudará. Logo, não se dispersem!
(*) Jornalista e
escritor. Publicado In: Pauta Livre.
Pauta Livre
é cão
sem dono. Se gostou, passe adiante.
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