Por Ricardo
Alcântara (*)
O
presidente da FIFA, Joseph Blatter, se mostra desapontado com o que julga ser
uma má disposição da sociedade brasileira para com seus negócios à frente da
menos transparente de todas as organizações transnacionais de direito privado.
A
recíproca é verdadeira: ao financiar arenas superfaturadas a juros piedosos em
pelo menos três cidades onde o futebol é uma atividade irrelevante, tampouco a
sociedade brasileira está segura de ter feito um bom negócio com o Sr. Blatter.
Sabe
ele que não receberemos a mercadoria paga. A favor dele, diga-se: foi o governo
brasileiro, e não sua entidade, o mentor da fraude. Como não pode falar isso,
reage em público com ameaças veladas cuja destinatária mora em Brasília.
De
início, era outro o acordo entre o presidente Lula e a nação: para construir
arenas, dinheiro público não haveria. Somente para obras estruturantes, com
prioridade à melhoria em mobilidade urbana, de nível crítico nas capitais do
país.
Nem
vou ilustrar a disparidade entre promessa e resultados: você lê jornais e bem
sabe que ainda não apareceu ninguém para explicar por que faremos uma Copa do
Mundo a um valor igual à soma gasta nas três últimas versões daquele evento.
Agravantes,
são as circunstâncias: o prometido “espetáculo do crescimento” já vê água em
seus motores sem que tenha sido suficiente para impedir o avanço da delinqüência
e o agravamento das já péssimas condições de atendimento em saúde.
O
cidadão viu a leveza mágica com que modernas arenas brotaram do chão em pouco
tempo e pode, então, perceber o poder que se manifesta quando dinheiro e
interesses falam a mesma língua. Aí, ele pergunta: por que não hospitais,
também?
Claro,
a coisa não é tão simples. Mas não há como construir um discurso honesto sobre
isto e vendê-lo a quem paga a conta sem tocar no âmago das perversões que
inspiram as leis do mercado a impor o primado do lucro sobre o interesse comum.
O Sr.
Blatter apenas nos vendeu o seu negócio: sediar a Copa do Mundo a pretexto de
receber terabytes de exposição em mídia espontânea sem custo direto
algum. Velho sonho de consumo, a pátria de chuteiras assinou sem pensar duas
vezes.
O que
a FIFA nos vendeu, países de boa conduta como Alemanha e França também
compraram. Se não obtiveram ganhos na proporção imaginada, tampouco reclamam
prejuízos. A África do Sul já não pode dizer o mesmo. Há copas e copas.
A do
Brasil não será bancada por quem controla os excedentes, a iniciativa privada,
mas pelo mesmo setor público que se declara impotente para tirar do corredor
hospitalar o paciente que mora em áreas de risco. Assim é inevitável, o mal
estar.
Mas,
mesmo desapontado com o bom nível de informação que temos sobre a verdadeira
natureza de suas operações, o Sr. Blatter fará conosco os seus negócios: suja
demais, não há cão leproso que resista à hospitalidade da nossa esquina.
(*) Jornalista e
escritor. Publicado In: Pauta Livre.
Pauta Livre
é cão
sem dono. Se gostou, passe adiante.
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