terça-feira, 30 de julho de 2013

Em defesa de Joseph Blatter



Por Ricardo Alcântara (*)
O presidente da FIFA, Joseph Blatter, se mostra desapontado com o que julga ser uma má disposição da sociedade brasileira para com seus negócios à frente da menos transparente de todas as organizações transnacionais de direito privado.
A recíproca é verdadeira: ao financiar arenas superfaturadas a juros piedosos em pelo menos três cidades onde o futebol é uma atividade irrelevante, tampouco a sociedade brasileira está segura de ter feito um bom negócio com o Sr. Blatter.
Sabe ele que não receberemos a mercadoria paga. A favor dele, diga-se: foi o governo brasileiro, e não sua entidade, o mentor da fraude. Como não pode falar isso, reage em público com ameaças veladas cuja destinatária mora em Brasília.
De início, era outro o acordo entre o presidente Lula e a nação: para construir arenas, dinheiro público não haveria. Somente para obras estruturantes, com prioridade à melhoria em mobilidade urbana, de nível crítico nas capitais do país.
Nem vou ilustrar a disparidade entre promessa e resultados: você lê jornais e bem sabe que ainda não apareceu ninguém para explicar por que faremos uma Copa do Mundo a um valor igual à soma gasta nas três últimas versões daquele evento.
Agravantes, são as circunstâncias: o prometido “espetáculo do crescimento” já vê água em seus motores sem que tenha sido suficiente para impedir o avanço da delinqüência e o agravamento das já péssimas condições de atendimento em saúde.
O cidadão viu a leveza mágica com que modernas arenas brotaram do chão em pouco tempo e pode, então, perceber o poder que se manifesta quando dinheiro e interesses falam a mesma língua. Aí, ele pergunta: por que não hospitais, também?
Claro, a coisa não é tão simples. Mas não há como construir um discurso honesto sobre isto e vendê-lo a quem paga a conta sem tocar no âmago das perversões que inspiram as leis do mercado a impor o primado do lucro sobre o interesse comum.
O Sr. Blatter apenas nos vendeu o seu negócio: sediar a Copa do Mundo a pretexto de receber terabytes de exposição em mídia espontânea sem custo direto algum. Velho sonho de consumo, a pátria de chuteiras assinou sem pensar duas vezes.
O que a FIFA nos vendeu, países de boa conduta como Alemanha e França também compraram. Se não obtiveram ganhos na proporção imaginada, tampouco reclamam prejuízos. A África do Sul já não pode dizer o mesmo. Há copas e copas.
A do Brasil não será bancada por quem controla os excedentes, a iniciativa privada, mas pelo mesmo setor público que se declara impotente para tirar do corredor hospitalar o paciente que mora em áreas de risco. Assim é inevitável, o mal estar.
Mas, mesmo desapontado com o bom nível de informação que temos sobre a verdadeira natureza de suas operações, o Sr. Blatter fará conosco os seus negócios: suja demais, não há cão leproso que resista à hospitalidade da nossa esquina.
(*) Jornalista e escritor. Publicado In: Pauta Livre.
Pauta Livre é cão sem dono. Se gostou, passe adiante.

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