quinta-feira, 25 de julho de 2013

PROTESTOS PRIMAVERIS EM UM BRASIL CRISTÃO



Disse o Senhor: “De fato tenho visto a opressão sobre o meu povo no Egito, tenho escutado o seu clamor, por causa dos seus feitores, e sei quanto eles estão sofrendo” (Êxodo 3:7).
Junho de 2013: um gigante, dantes dito deitado em berço esplêndido, despertou. A partir de uma questão, meramente pontual, de um reles aumento de vinte centavos nas passagens de ônibus da capital paulista, o povo brasileiro ganhou as ruas das cidades, desencadeando uma onda de protestos, rotulada nas redes sociais de “Primavera Brasileira”.
Nos diferentes pontos de nosso rincão, no litoral e nos sertões, nas cidades, grandes ou não, pipocaram as manifestações, reunindo milhares de pessoas, que marcharam para exibir os seus descontentamentos com os desacertos do Estado brasileiro na condução de nossas políticas públicas.
O represamento das insatisfações acumuladas em governos pós-redemocratização do Brasil, notadamente nos últimos dez anos, quando um partido político, sobre o qual se depositavam esperanças na capacidade que teria de romper com as práticas políticas do passado, seguiu no mesmo diapasão, mas, talvez, com uma oitava acima, mercê do populismo e do total desrespeito para com a cousa pública e com o erário, atacado por gastos perdulários e inexplicados.
Anos continuados de submissão a impostos escorchantes, nos patamares escandinavos, combinados com a oferta de serviços públicos, com padrão subsaariano, compuseram um cadinho de alto teor explosivo, cujo conteúdo ficara muito próximo do ponto de ebulição, que poderia descambar para uma situação de anarquia e de conturbação social.
A marcha desses acontecimentos, brotados quase que espontaneamente em atendimento às convocações em redes sociais, pegou, desprevenidos, governos, partidos políticos, imprensa, organizações brasileiras etc., que atônitos buscam entender o que se passa no seio dos diferentes segmentos sociais, até então pouco dispostos a insurgir-se contra o establishment e os poderes constituídos do País.
Jornalistas, cientistas políticos, cientistas sociais, políticos profissionais e outros formadores de opinião externalizaram suas opiniões nos veículos de mídia, dando eco aos reclamos legítimos dos cidadãos que reagem aos desmandos de políticos e gestores públicos, que têm pautado suas ações sob a égide da corrupção e do despojamento ético.
Dentre essas vozes, dignas de maior destaque, vale mencionar, no plano nacional, a nota oficial expedida, em 21/06/13, pelo Conselho Permanente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e, no plano local, o Manifesto de Dom Edmilson da Cruz, bispo emérito de Limoeiro do Norte, dirigido ao povo cearense e publicado no jornal O Povo, de 21/06/13.
A nota da CNBB declarou solidariedade e apoio às manifestações, desde que pacíficas, por tratar-se de um fenômeno que envolve o povo brasileiro e o desperta para uma nova consciência. Elas requerem atenção e discernimento a fim de que se identifiquem seus valores e limites, tendo sempre em vista a construção da sociedade justa e fraterna que se almeja.
Dom Edmilson falou como cidadão. Não falou de quimeras, mas como ele mesmo assinalou, na abertura de seu manifesto: “Fala de uma exigência. De uma necessidade. E de uma urgência. Que deve transformar-se numa vivência. Vivência incontestável, que corresponde a um direito, a um dever, a uma obrigação”.
O nosso eminente prelado teve ainda o cuidado de evitar a generalização, porquanto reconhece que “existem certamente políticos íntegros, dedicados ao bem do povo. Senhores e senhoras dignos de admiração, respeito e gratidão. Mas sem retirar uma vírgula à denúncia e ao protesto de que os denunciados são merecedores, importa lembrar a todos que somos cidadãos e cristãos. Oro por eles todos os dias a fim de que sejam dignos do mandato que lhes confiamos.”.
É hora, pois, de salmodiar: “Chegue à tua presença o meu clamor, Senhor! Dá-me entendimento conforme a tua palavra” (Salmos 119:169), para traçar a questão em um mundo hodierno e cada vez mais laicizado. Não há como negar que os descalabros perpetrados, presentemente, por nossos dirigentes, no Brasil, configuram graves ofensas aos princípios cristãos, ombreando-se àqueles pecados capitais listados no catecismo católico, merecendo a repulsa desses atos, todavia com a preservação do respeito ao pecador, submisso que estará à Justiça dos homens e de Deus.
As palavras contidas nos livros sagrados: “Tu, Senhor, ouves a súplica dos necessitados; tu os reanimas e atendes ao seu clamor” (Salmos 10:17); e “Os justos clamam, o Senhor os ouve e os livra de todas as suas tribulações” (Salmos 34:17), aportam alento ao povo, indicando que Deus não o desampara nos momentos mais difíceis.
Com efeito, é deveras surpreendente as conquistas (ou serão meras promessas?) já sinalizadas pelas autoridades brasileiras, como respostas às reivindicações dos protestos, de junho de 2013, o que obriga a recorrer ao Velho Testamento, nos termos que assim disse o profeta: “Em meu desespero clamei ao Senhor, e ele me respondeu. Do ventre da morte gritei por socorro, e ouviste o meu clamor” (Jonas 2:2).
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Integrante da SMSL
* Publicado In: Boletim Informativo da Sociedade Médica São Lucas, 9(72): 3-4, julho de 2013.

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