Disse o Senhor: “De fato tenho visto a opressão sobre o meu povo no Egito, tenho
escutado o seu clamor, por causa dos seus feitores, e sei quanto eles estão
sofrendo” (Êxodo 3:7).
Junho de 2013: um gigante, dantes dito
deitado em berço esplêndido, despertou. A partir de uma questão, meramente
pontual, de um reles aumento de vinte centavos nas passagens de ônibus da
capital paulista, o povo brasileiro ganhou as ruas das cidades, desencadeando
uma onda de protestos, rotulada nas redes sociais de “Primavera Brasileira”.
Nos diferentes pontos de nosso rincão, no
litoral e nos sertões, nas cidades, grandes ou não, pipocaram as manifestações,
reunindo milhares de pessoas, que marcharam para exibir os seus
descontentamentos com os desacertos do Estado brasileiro na condução de nossas
políticas públicas.
O represamento das insatisfações acumuladas em
governos pós-redemocratização do Brasil, notadamente nos últimos dez anos,
quando um partido político, sobre o qual se depositavam esperanças na
capacidade que teria de romper com as práticas políticas do passado, seguiu no
mesmo diapasão, mas, talvez, com uma oitava acima, mercê do populismo e do
total desrespeito para com a cousa pública e com o erário, atacado por gastos
perdulários e inexplicados.
Anos continuados de submissão a impostos
escorchantes, nos patamares escandinavos, combinados com a oferta de serviços
públicos, com padrão subsaariano, compuseram um cadinho de alto teor explosivo,
cujo conteúdo ficara muito próximo do ponto de ebulição, que poderia descambar
para uma situação de anarquia e de conturbação social.
A marcha desses acontecimentos, brotados
quase que espontaneamente em atendimento às convocações em redes sociais,
pegou, desprevenidos, governos, partidos políticos, imprensa, organizações
brasileiras etc., que atônitos buscam entender o que se passa no seio dos
diferentes segmentos sociais, até então pouco dispostos a insurgir-se contra o establishment e os poderes constituídos
do País.
Jornalistas, cientistas políticos,
cientistas sociais, políticos profissionais e outros formadores de opinião
externalizaram suas opiniões nos veículos de mídia, dando eco aos reclamos legítimos
dos cidadãos que reagem aos desmandos de políticos e gestores públicos, que têm
pautado suas ações sob a égide da corrupção e do despojamento ético.
Dentre essas vozes, dignas de maior
destaque, vale mencionar, no plano nacional, a nota oficial expedida, em
21/06/13, pelo Conselho Permanente da Confederação Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), e, no plano local, o Manifesto de Dom Edmilson da Cruz, bispo
emérito de Limoeiro do Norte, dirigido ao povo cearense e publicado no jornal O
Povo, de 21/06/13.
A nota da CNBB declarou solidariedade e
apoio às manifestações, desde que pacíficas, por tratar-se de um fenômeno que
envolve o povo brasileiro e o desperta para uma nova consciência. Elas requerem
atenção e discernimento a fim de que se identifiquem seus valores e limites, tendo
sempre em vista a construção da sociedade justa e fraterna que se almeja.
Dom Edmilson falou como cidadão. Não falou
de quimeras, mas como ele mesmo assinalou, na abertura de seu manifesto: “Fala
de uma exigência. De uma necessidade. E de uma urgência. Que deve
transformar-se numa vivência. Vivência incontestável, que corresponde a um
direito, a um dever, a uma obrigação”.
O nosso eminente prelado teve ainda o
cuidado de evitar a generalização, porquanto reconhece que “existem certamente
políticos íntegros, dedicados ao bem do povo. Senhores e senhoras dignos de admiração,
respeito e gratidão. Mas sem retirar uma vírgula à denúncia e ao protesto de
que os denunciados são merecedores, importa lembrar a todos que somos cidadãos
e cristãos. Oro por eles todos os dias a fim de que sejam dignos do mandato que
lhes confiamos.”.
É hora, pois, de salmodiar: “Chegue à tua
presença o meu clamor, Senhor! Dá-me entendimento conforme a tua palavra”
(Salmos 119:169), para traçar a questão em um mundo hodierno e cada vez mais
laicizado. Não há como negar que os descalabros perpetrados, presentemente, por
nossos dirigentes, no Brasil, configuram graves ofensas aos princípios
cristãos, ombreando-se àqueles pecados capitais listados no catecismo católico,
merecendo a repulsa desses atos, todavia com a preservação do respeito ao
pecador, submisso que estará à Justiça dos homens e de Deus.
As palavras contidas nos livros sagrados:
“Tu, Senhor, ouves a súplica dos necessitados; tu os reanimas e atendes ao seu
clamor” (Salmos 10:17); e “Os justos clamam, o Senhor os ouve e os livra de
todas as suas tribulações” (Salmos 34:17), aportam alento ao povo, indicando
que Deus não o desampara nos momentos mais difíceis.
Com efeito, é deveras surpreendente as
conquistas (ou serão meras promessas?) já sinalizadas pelas autoridades
brasileiras, como respostas às reivindicações dos protestos, de junho de 2013,
o que obriga a recorrer ao Velho Testamento, nos termos que assim disse o
profeta: “Em meu desespero clamei ao Senhor, e ele me respondeu. Do ventre da
morte gritei por socorro, e ouviste o meu clamor” (Jonas 2:2).
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Integrante
da SMSL
* Publicado In: Boletim Informativo da Sociedade Médica
São Lucas, 9(72): 3-4, julho de 2013.
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