Raymundo Netto (*)
Um canadense para
provar que o vidro da janela de seu apartamento era inquebrável, jogou-se
contra ela... e não era!
A vida pode
não ser, mas a morte certamente é segura. Assunto a todos desagradável – pé de
pato mangalô três vezes –, há quem diga que o fim, por ser a única certeza
terrena, merecia maior investimento, ou que seria possível medir-se o sucesso
de uma vida pela qualidade da morte que se tem. Eu, pelo menos, me ladeei na
vida com a morte. Desde pequeno a sinto à mão, sussurrada no ouvido e presente
nos olhos de gente boa demais para esse mundo. Queria, não nego, ter uma boa
morte, não necessariamente feliz, mas intensa, com direito à trilha sonora e
diversidades de planos de câmera, como deveria ser a vida e o cinema. Mas, ao
contrário do nosso almejado projeto de morte, muitos saem do palco cedo demais,
em trágicas performances de violência, descuidos ou renúncia, ou, pior, em
desastrados e ridículos atos finais que bem compõem as coisas engraçadas de não
se rir de uma vida inteira.
Nos Estados
Unidos, onde se produz as coisas mais inúteis do mundo, existe até um prêmio, o
Darwin Award, que contempla as mortes mais estúpidas, como: Átila, o Huno,
escapou de morrer em centenas de combates para ser abatido por uma hemorragia
pós-matrimonial de baço (?). Empédocles, filósofo grego, não satisfeito com a
falta de reconhecimento intelectual, espalhava a todos, tal qual o Paulo
“mosca” Coelho, que tinha poderes supra-humanos. Como ninguém acreditava nele
nem gostava de filosofia, decidiu se jogar numa cratera vulcânica para provar o
que todos já sabiam: ele era mesmo só um mala. São famosos os casos do
dramaturgo Tennessee Willians, de biografia interessantíssima, que nem sonhava
um dia morrer engasgado com uma tampa de garrafa, e do contista Sherwood
Anderson, morto por uma peritonite porque engoliu um palito de dentes. Como
vemos, não são apenas os leitores que engolem qualquer coisa. Os escritores também.
Aqui no
Brasil, dia desses, por exemplo, um cidadão morreu quando uma vaca, que
escapava de cachorros espritados, subiu em sua casa e arrebentou o telhado.
Quer mais? Uma suicida, decidindo encerrar a sua dúvida existencial, acabou
levando de carona um espanhol cinquentão que cruzava a calçada do prédio onde
ela morava. Um canadense, professor de Direito, para provar a seus alunos que o
vidro da janela de seu apartamento era inquebrável, jogou-se contra ela... e
não era! Um jovem físico quis provar aos colegas, usando de seus conhecimentos,
que conseguiria vencê-los na competição de lançamento de cuspe da varanda de
seu apartamento no paralelo oitavo andar e, de fato, o conseguiu, mas só
recebeu os devidos cumprimentos no térreo.
Tem o caso do
rapaz acusado de ter assassinado o colega. Seu advogado, muito habilmente na
tentativa de provar que o cliente não o havia assassinado, mas que este morrera
vítima de um disparo acidental, realizou uma simulação que, de tão real,
provocou outro disparo cuja vítima desta vez seria o próprio advogado. Também
um empregado de uma famosa fábrica de chocolates de meu consumo pessoal
escorregou num tanque cheinho da massa de cacau, morrendo com direito a
cobertura e tudo... e nunca mais tive a certeza de serem apenas castanhas.
Há o estranho
caso de um time inteiro de futebol dizimado por um raio durante uma partida na
República Democrática – vai ser democrática assim... – do Congo, ou a da stripper Gina Lalapola, na Itália,
contratada para sair freneticamente de um bolo de despedida de solteiro.
Enquanto os rapazes gritavam “Sai, Gina! Sai, Gina!”, o recheio não vingou,
pois a moça morrera asfixiada.
A revista
Super Interessante revela que 10 americanos, em média por ano, morrem esmagados
por máquinas de refrigerantes ou salgados, pelo hábito que se tem de balançar
as máquinas até retirar os seus produtos de graça. E mais por lá: uma emissora
de rádio promoveu concurso de “segura-xixi”, ou seja, ouvintes iam aos estúdios
e bebiam litros e litros de água. Ganhava um videogame quem bebesse mais água e
não fosse ao banheiro. A candidata a levar o segundo lugar morreu em casa,
intoxicada, vomitando água. Enquanto isso, num circo, um romeno, engolidor de
fogo, na hora do espetáculo descuidou-se de um arroto e simplesmente explodiu,
para alegria da plateia.
Bizarro mesmo
foi o rapaz de 19 anos que, chegando em casa, sentiu a falta de algumas
garrafas de licor de seu bar. Crendo ser arte do vizinho, decidiu vingar-se
esfaqueando-se para acusá-lo depois pelo violento roubo. Bem, ele poderia até
entender de licor, mas não de anatomia... Rasgou um vaso importante e morreu na
hora. Tem o inglês que ateou fogo em si próprio para demonstrar que aquela
bebida era inflamável ou aquele rapaz que, em seu primeiro salto de paraquedas,
estava tão ansioso em não esquecer a câmera para filmar e postar no facebook,
que acabou esquecendo-se de colocar o paraquedas.
Essa semana,
num café, um amigo até me contou a história de uma senhora que morria de medo
de morrer – essa é boa – de câncer. Algum vizinho com mania de médico, todos
temos alguns, contou para ela ser a água uma das medidas milagrosas para evitar
a doença. A mulher, obcecada, não podia nem ver torneira, passou a beber água
feito uma louca. Resultado: escapou de morrer de câncer, pois morreu mesmo foi
de “afogamento interno”.
A morte se
parece menos terrível quando se está cansado, como dizia Beauvoir. Não há o que
temer, apenas a lamentar, quando a vida é breve ou a produção pequena.
Resta-nos à despedida, o alívio do golpe certeiro, da cabeça descer leve na
cesta, sem remorsos nem arrependimentos a nos acompanhar na eternidade do
derradeiro sono. Vai-se hoje, encontra-se amanhã. O mundo é redondo e a alma
descansa mesmo é sobre os nossos ombros...
(*) Escritor e promotor
cultural da Fundação Demócrito Rocha
Publicado In: O Povo, de 31/07/2013.
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