sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O MACRO VANDALISMO DE CARA LIMPA



Por Ricardo Alcântara (*)
O mal estar entre a sociedade brasileira e seu poder público, cujos primeiros sinais já foram declarados nas manifestações de rua deste ano, tem recebido diariamente as proteínas necessárias ao seu crescimento. O que não tem faltado é ração ao caos.
Abra o jornal: enquanto uma vítima de assassinato ainda gritava por socorro, os vizinhos cometeram o erro fatal: telefonaram para a polícia. Claro, ninguém apareceu a tempo. A gang do bairro teria prestado melhor socorro, caso acionada.
Agora, se ponha no lugar do bandido: você teria medo de assaltar uma família assistida por uma polícia que não atende ao telefone? Digo “assistida” porque é isto que a polícia do nosso estado faz: assiste, enquanto a barbárie se propaga.
Em outra página, fica a cidade informada da boa paga oferecida pela presidente Dilma Rousseff ao apoio recebido do governador Cid Gomes à sua reeleição: há dinheiro disponível para apunhalar o parque do Cocó com uma ponte estaiada.
Aquela obra é tida como “uma sandice” por onze entre dez urbanistas consultados. Ela somente agravaria o problema com que se tenta justificá-la como solução: mais fluxo, e não menos congestionamento, para dentro da Avenida Washington Soares.
Repare. Não se trata de dinheiro jogado fora. Pior: são recursos dedicados ao agravamento do problema. Trata-se de um estímulo à desordem: investimentos que ampliam a necessidade de mais investimentos no médio prazo. Uma sangria.
Enquanto o governador faz saber ao grande público que aqui se rasga dinheiro porque sobra – com o apoio declarado de quem antes fora contra “tudo isso que está aí” – o sertanejo afunda nas improvidências do previsível drama da seca.
Pensa que acabou? Veja esta. Outro santuário, já tão adulterado, se vê ameaçado pela crença chinfrim de que o interesse do mercado tem precedência universal. Acredite: querem levar o asfalto até a porta do parque nacional de Jericoacoara.
Com isso, uma das mais famosas praias das Américas poderá mais rapidamente pulverizar seu único patrimônio: uma relação de possível equilíbrio entre seu bioma e uma limitada capacidade de absorver os impactos do convívio humano.
Do que a miopia do secretário de Turismo, Bismark Maia, o convenceu é fácil ver: deve-se extrair o maior número possível de ovos no mais curto espaço de tempo, ainda que a isto se pague com a vida da própria galinha. Não é pouca, a estupidez.
Por fim, a presidente Dilma recebeu de sua onerosa maioria no congresso – prova de que ela fala grosso, mas manda pouco – o troco por sua decisão unilateral de propor à nação uma reforma política: os cretinos acabam de aprovar a sua versão.
Pela proposta dos parlamentares, nenhuma mudança que pudesse ao menos de leve arranhar o bem polido metal de seus privilégios foi sequer aventada. Ali, somente se alargam os recursos da esperteza e as escoras da impunidade.
Mas se você sentir que poderá perder de vez a paciência com tudo isso, talvez seja melhor ficar em casa, a menos que não se importe em ver sua imagem estampada nos telejornais da big media como a de um mal intencionado vândalo.
No entanto, prospera o macro vandalismo dos homens que não usam máscaras para dilapidar o bem comum porque já vivem sob a armadura da impunidade. Eles podem mostrar a cara: ela está fora do alcance da justiça. Os lascados, não.
(*) Jornalista e escritor. Publicado In: Pauta Livre.
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