Por Ricardo
Alcântara (*)
O mal estar entre a sociedade brasileira e seu poder
público, cujos primeiros sinais já foram declarados nas manifestações de rua
deste ano, tem recebido diariamente as proteínas necessárias ao seu
crescimento. O que não tem faltado é ração ao caos.
Abra o jornal: enquanto uma vítima de assassinato ainda
gritava por socorro, os vizinhos cometeram o erro fatal: telefonaram para a
polícia. Claro, ninguém apareceu a tempo. A gang do bairro teria
prestado melhor socorro, caso acionada.
Agora, se ponha no lugar do bandido: você teria medo de
assaltar uma família assistida por uma polícia que não atende ao telefone? Digo
“assistida” porque é isto que a polícia do nosso estado faz: assiste, enquanto
a barbárie se propaga.
Em outra página, fica a cidade informada da boa paga
oferecida pela presidente Dilma Rousseff ao apoio recebido do governador Cid
Gomes à sua reeleição: há dinheiro disponível para apunhalar o parque do Cocó
com uma ponte estaiada.
Aquela obra é tida como “uma sandice” por onze entre dez
urbanistas consultados. Ela somente agravaria o problema com que se tenta
justificá-la como solução: mais fluxo, e não menos congestionamento, para
dentro da Avenida Washington Soares.
Repare. Não se trata de dinheiro jogado fora. Pior: são
recursos dedicados ao agravamento do problema. Trata-se de um estímulo à
desordem: investimentos que ampliam a necessidade de mais investimentos no
médio prazo. Uma sangria.
Enquanto o governador faz saber ao grande público que
aqui se rasga dinheiro porque sobra – com o apoio declarado de quem antes fora
contra “tudo isso que está aí” – o sertanejo afunda nas improvidências do
previsível drama da seca.
Pensa que acabou? Veja esta. Outro santuário, já tão
adulterado, se vê ameaçado pela crença chinfrim de que o interesse do mercado
tem precedência universal. Acredite: querem levar o asfalto até a porta do
parque nacional de Jericoacoara.
Com isso, uma das mais famosas praias das Américas poderá
mais rapidamente pulverizar seu único patrimônio: uma relação de possível
equilíbrio entre seu bioma e uma limitada capacidade de absorver os impactos do
convívio humano.
Do que a miopia do secretário de Turismo, Bismark Maia, o
convenceu é fácil ver: deve-se extrair o maior número possível de ovos no mais
curto espaço de tempo, ainda que a isto se pague com a vida da própria galinha.
Não é pouca, a estupidez.
Por fim, a presidente Dilma recebeu de sua onerosa
maioria no congresso – prova de que ela fala grosso, mas manda pouco – o troco
por sua decisão unilateral de propor à nação uma reforma política: os cretinos
acabam de aprovar a sua versão.
Pela proposta dos parlamentares, nenhuma mudança que
pudesse ao menos de leve arranhar o bem polido metal de seus privilégios foi
sequer aventada. Ali, somente se alargam os recursos da esperteza e as escoras
da impunidade.
Mas se você sentir que poderá perder de vez a paciência
com tudo isso, talvez seja melhor ficar em casa, a menos que não se importe em
ver sua imagem estampada nos telejornais da big media como a
de um mal intencionado vândalo.
No entanto, prospera o macro vandalismo dos homens que
não usam máscaras para dilapidar o bem comum porque já vivem sob a armadura da
impunidade. Eles podem mostrar a cara: ela está fora do alcance da justiça. Os
lascados, não.
(*) Jornalista e
escritor. Publicado In: Pauta Livre.
Pauta Livre
é cão
sem dono. Se gostou, passe adiante.
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