Fabiano Maisonnave
Enviado especial a Santa Cruz de la Sierra (Bolívia)
Os alunos brasileiros com poder
aquisitivo relativamente alto, o baixo salário dos professores e a falta de
controle das faculdades de medicina alimentam uma enorme rede de corrupção na
Bolívia.
Negociam-se notas, diplomas e
até ossos humanos roubados de cemitérios de Santa Cruz de La Sierra.
Três alunos da Universidade
Cristã da Bolívia (Ucebol) relataram à Folha que alguns professores dão pontos
extras a estudantes que compram apostilas e até ossos do fornecedor indicados
por eles.
"O aluno compra um osso e
deixa o nome dele com o vendedor. Depois, o professor checa o nome e acrescenta
de cinco a oito pontos num exame de 25 pontos", explica um estudante do
primeiro ano.
Para passar numa disciplina, é
preciso acumular ao menos 51 pontos --o máximo é 100 pontos.
Apesar de proibido por lei, a
maioria dos alunos tem ossos humanos em casa.
Muitas vezes, essa é a única
forma de estudar, já que as faculdades, com número ilimitado de vagas, não têm
ossos para serem usados nas aulas por todos nas aulas.
O comércio é feito às claras,
em anúncios na internet, em panfletos ou no boca a boca. Na semana passada, uma
brasileira revendia um esqueleto completo por R$ 200.
Os ossos são roubados
principalmente de cemitérios na empobrecida periferia de Santa Cruz, a maior
cidade boliviana, com cerca de 1,7 milhão de habitantes.
VENDA DE
NOTAS
Além do tráfico de ossos, é
comum ainda a venda de notas em exames por parte dos professores, cujo piso é
de apenas R$ 11 pela hora/aula.
Na Universidade de Aquino
(Udabol), estudantes ouvidos pela Folha afirmam que professores costumam cobrar
R$ 450 para aprovar em suas disciplinas --o valor é equivalente a 41 horas de
trabalho dos docentes no país.
Outro golpe é usar a
transferência de uma faculdade privada a outra para "saltar" até três
semestres, por meio de currículos falsificados.
O vice-reitor da Ucebol, Cesar
Ramiro, disse à Folha que qualquer prática ilegal é combatida, mas admite o
problema. Desde de 2012, diz ele, 12 professores foram afastados por causa de
irregularidades.
FALSIFICAÇÕES
Há ainda o caso dos diplomas
falsificados. Em operação no mês passado, a Polícia Federal identificou 41
diplomas irregulares de universidades bolivianas.
Uma delas é a UNE (Universidade
Nacional Ecológica), que pertence ao embaixador da Bolívia no Brasil, Jerjes
Justiniano. Dos 2.200 alunos da instituição, 1.600 são brasileiros cursando
medicina.
O porta-voz da UNE Giovanni
Violeta disse que a universidade colaborou com as investigações no Brasil.
"Expulsamos e denunciamos mais de dez alunos. Não podemos sujar o nome por
causa de alguns títulos."
Violeta diz que um
ex-funcionário da UNE é suspeito da fraude e que cada diploma falso foi vendido
por R$ 3.800.
Apesar dos problemas, o
ex-professor da Ucebol Ruben (nome fictício) disse que há bons alunos
brasileiros, embora sejam em minoria.
Em quatro anos na sala de aula,
o docente diz ter identificado ao menos dez estudantes com potencial.
Apontado pelos colegas como
exemplar, o estudante do quarto ano de medicina da Udabol e auxiliar de
enfermagem Claudio Simas, 35, resolveu estudar medicina após oito anos
trabalhando na Santa Casa de Ribeirão Preto.
Simas assegura que nunca foi
reprovado numa disciplina nem pagou para passar. A inspiração, diz, foi um
médico que se formou na Bolívia, passou no Revalida e era seu colega de
trabalho.
Fonte: Folha/Notícias UOL 3/11/2013
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