João Brainer Clares de Andrade (*)
Foi necessário um
programa de importação de médicos para se avaliar o quanto a medicina
brasileira repousava aparentemente inerte a qualquer crítica. Em todo o mundo,
a medicina continua recebendo os melhores olhares. Historicamente, o ofício do
médico se atrelava a uma figura próxima ao poder dos deuses, ofendendo-os, por
vezes, quando se curava a despeito das forças superiores. Mitos e lendas à
parte, a figura do médico continua exercendo arte e ciência; feitos que não
permitem dissociação e estão, portanto, muito além do julgamento leigo que, por
vezes, resume a medicina a uma fórmula ou meia dúzia de artigos científicos. É
muito mais: é saber ouvir, quando tocar, o que tocar, cheirar, ver, sentir,
interpretar, associar, ponderar, zelar... É um misto harmonioso de ciência
inerente à arte de cuidar.
Embora o mítico
eleve a imagem do bom ofício, aquilo que se aprende de médico a médico, de
tutor a tutor, há incontáveis falhas. A imagem mítica colocava o médico em um
rótulo inviolável... Porém, denúncias de corrupção, jornadas de trabalho
desfalcadas no serviço público, negligência e imprudência aparecem aos montes
nos últimos noticiários. A imagem quase inviolável mostra-se frágil, apesar de
todo peso histórico; e mais: mostra que o médico é tão comum quanto qualquer
outro cidadão.
Assim, digo aos que
furam filas, sonegam impostos, fraudam doenças para o gozo da aposentadoria,
faltam ou mal atendem no serviço público, aos políticos que pactuam o roubo de
bilhões aos cofres públicos, aos que são maus gestores: alguns médicos também
são iguais a vocês. Nenhum erro justifica o outro, é verdade. Pela missão que
carrega, pelo peso histórico, pela confiança que lhe é depositada, nada disso
seria esperado do médico, mas infelizmente não é a verdade que impera; verdade
essa que deve ser lidada sem preconceitos, sem a alcunha comprada de
“corporativismo”, sem a ignorância das generalizações.
Associar o médico a
qualquer outro cidadão traz, até, benefício: é humano, tem necessidades
sociais, políticas e econômicas, pensa tal como você; o que torna fácil aceitar
quando o médico não tolera, por exemplo, trabalhar no interior do país na
precariedade de recursos, na ausência de estabilidade, na degola dos salários
que sempre atrasam, no desrespeito à missão que carrega. No entanto, sobra a
necessidade de avaliação: a imagem do mito soberano não mais existe, o rótulo
não mais é inviolável e as responsabilidades se tornaram maiores. Assim, se o
teto é de vidro e a casa é nossa, é porque o médico construiu sua casa assim. E
pedras não nos faltam.
(*) Médico residente de Neurologia – Hospital Geral de Fortaleza
Fonte: Publicado In: O Povo, Opinião, de 20/1/2015. p.7
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