O HOMEM BOTÃO
Humberto de
Campos - Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras, maio de 1920.
Uma tarde, estava Emílio de Menezes à porta da
confeitaria Pascoal, em companhia de um amigo, quando passou pela calçada,
arrogante, charuto ao queixo, um cavalheiro de alta representação, conhecido na
cidade pela sua aversão ao pagamento das dívidas. Ferido pela soberba do tipo,
Emílio voltou-se para o companheiro, perguntando-lhe, à queima-roupa:
- Em que se parece aquele sujeito com um botão?
O outro não atinou com a chave do enigma, e ele
completou, perverso:
- É que ele também
não paga a casa em que mora...
O SINAL DOS
VARAIS
Ernesto Sena -
"Notas de um Repórter", pág. 164.
Estava o conselheiro Ferreira Viana uma tarde na Câmara
dos Deputados, quando se aproximou do seu grupo um antigo político e homem de
letras diversas vezes incluído na lista senatorial, e sempre atirado à margem.
Talentoso, mas avarento, o recém-chegado vestia um paletó cheio de manchas à
altura dos quadris, onde de vez em quando esfregava as mãos.
Com a sua jovialidade habitual, Ferreira Viana
perguntou-lhe:
- Que é isto, Fulano?
- Não é nada...
Não é nada... - respondeu o outro, com mau
humor.
- Ah, já sei! já sei!
riu o conselheiro, sem se desconcertar.
E ferino:
- São sinais dos varais da liteira da gente que tens
conduzido para o Senado!
O CHAPÉU VELHO
Afonso Celso
- Discurso na Academia Brasileira de Letras.
Era Raimundo Correia estudante em S. Paulo quando mandou
fazer, para uma festa na Faculdade, um terno novo. Faltava-lhe, porém, o
chapéu, e os companheiros de "república" - Valentim, Afonso Celso,
Silva Jardim e Assis Brasil - resolveram oferecer-lhe um chapéu novo.
No dia seguinte, apareceu Raimundo na Faculdade, com a
roupa nova e o chapéu velho.
- E o chapéu novo? -
indagaram os colegas.
- Está em casa.
E confessou, a voz comovida:
- Eu vinha saindo
com o que vocês me deram quando olhei para o cabide. Lá estava o chapéu velho;
mas tão triste, tão descorado, que me meteu pena. Parecia dizer-me: "É
assim, não é?" Para as aulas, para o trabalho, para a chuva, sou eu; para
as festas, fico eu aqui, e vai o outro, unicamente porque e novo'! Fiquei
sensibilizado, pendurei lá o outro, e vim com ele.
E beijando o velho feltro:
- Tão meu amigo,
coitado!...
CONSELHO DE
SÁBIO
Ernesto Sena
- "Notas de um Repórter", pág. 162.
Era o conselheiro Ferreira Viana ministro do Império,
quando, em visita à Casa de Correção, teve a sua atenção solicitada por um
rapaz de maneiras distintas, fisionomia simpática, mas triste, que lhe pedia
licença para duas palavras.
- Então, qual o seu crime?
indagou Ferreira Viana, com o seu ar bonachão.
- Senhor, eu
abusei da honestidade de uma menor.
- A quantos anos de prisão foi condenado?
- A quatro; já
aqui estou há dois, e faltam-me ainda dois. Se, porém, V. Excia. quiser
proteger-me, obtendo o meu indulto, eu me comprometo a casar com a ofendida.
- Olhe, quer um bom conselho, um conselho de amigo? - observou-lhe Ferreira Viana, com interesse.
E batendo-lhe no ombro, paternal:
- Cumpra o resto da pena...
Fonte: Humberto de Campos. O Brasil Anedótico (1927).
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