quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O PRIMEIRO IMPULSO (Maioridade Penal)


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Esta crônica foi abrolhada pela releitura de um conto persa, cujos autores e época são ignorados. Traduzida para o inglês por J. A. Hamerton (1871-1949) é parte de coletânea de contos: The Masterpiece Library os Short Stories.
Vamos a uma sinopse desta joia do conto da época de ouro da literatura persa.
... Na cidade de Bagdá vivia um homem rico de nome Tooriri. Famoso pelo seu espírito de solidariedade suportava com resignação as mil e uma misérias que compõem a maior parte da existência humana.  Atendia a todos com amor, paciência e bondade.
Ajudava os semelhantes de acordo com suas possibilidades. Na sua vida familiar, apesar de casado com uma megera, mantinha-lhe fidelidade. Dado a escrever poesia, aparentava felicidade com o êxito dos outros bardos. De quando em vez, apresentava olhar de uma estranha inquietação, logo controlado, jamais percebido por ninguém...
... Nas montanhas dos arredores de Bagdá, numa caverna, vivia o estoico Maitreya. Famoso. Dizia-se que na sua casa-caverna ele falava diretamente com o “deus do bem” - Ormuzd - segundo o Zoroastrismo, uma crença que muitos teólogos do ocidente e do oriente julgam ser a precursora das religiões monoteísticas.  Deixando os teólogos de lado, vênia para tornar ao bondoso Tooriri.
Acordando, uma manhã, antes da esposa, viu-a jogar-se pela janela, sem tempo de impedir seu tresloucado gesto.  Desesperado, ao abrir a porta da rua deu de cara com um mendigo. Ao fazer o gesto de levar a mão à bolsa de moedas, assistiu o mendigo cair morto. Mais desesperado ainda, foi socorrido pela bela - Mandaniki -, a mulher mais desejada da cidade. Ao leito do amor foi por ela conduzido. Ao sentir a ternura da mulher, assistiu-a expirar nos seus braços...
Para deslembrar das tragédias do dia, resolveu ir ao teatro. No caminho, temendo não conseguir chegar a tempo para o espetáculo devido ao tráfego intenso, surpreso, observou a morte dos cavalos das carroças que atravancavam o caminho. 
Durante o show, uma de suas poesias foi declamada sem menção de autoria. Estarrecido, assistiu o ovacionado autor-plagiador vomitar sangue escuro antes de morrer, em meio aos imerecidos aplausos. Diante de tanta mortandade, suicidou-se.
Coincidentemente, o eremita Maitreya morreu de morte natural no seu cavernoso recanto. Como era natural a época, os recém-falecidos candidataram-se ao Paraíso do Deus da Bondade. Ambos podem entrar no Céu, detonou Ormuzd, para espanto do eremita. E mais ainda ficou quando o deus disse: Primeiro tu, bondoso humano. A precedência é sua, eu lhe explico, Tooriri:
 “O suicídio da tua esposa, a morte do mendigo, da bela mulher, dos cavalos, do plagiador foram frutos do teu Primeiro Impulso. Compreensivo é que a espécie humana nasce como este primeiro impulso e a maioria dos humanos conseguem dominar este primeiro impulso. O de aniquilar, concorrer, dominar os desejos das pessoas, por mim criadas. Vocês, mulheres e homens, são julgados pelo domínio que conseguem alcançar sobre esse PRIMEIRO IMPULSO”.
“O teu domínio sobre ele, faz perene a minha criação”.
Quanto a ti, Maitreya, com o teu exemplo de vida, a minha concepção de Humano pereceria. Não poderia haver vida com a tua maneira de viver. Abro as portas do meu éden para você, apenas por generosidade... A minha Humanidade não pode morrer, ela tem de continuar...
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Conclusões Psicológicas
Impulso: conceito que designa o processo dinâmico da pressão ou força que age repentinamente sobre o organismo humano (Motivação) (Sigmund Freud 1856-1939). Até o século XIX, os psicólogos acreditavam que o impulso humano era incontrolável.
No século XXI, já deveríamos saber e lembrar que os comportamentos julgados inatos às pessoas, não importa sua cultura, origem, religião, riqueza ou pobreza, podem ser modificados por seu aprendizado e por suas experiências.
Nos meios de comunicação, responsabilidade e inconsciente são termos que não aparecem relacionados. Urge considerar a responsabilidade pelo que é inconsciente, não podemos por a culpa nos mitos maternos ou paternos e muito menos nas adversidades sociais as quais, até o século passado, nos permitiam escapar afirmando: "foi por causa da pobreza, das injustiças sociais".
Atravessamos um novo momento e como diz Jorge Forbes no seu livro Inconsciente e Responsabilidade (Psicanálise do Século XXI) ed. Manole 2012: - “Saímos da época do ‘Freud Explica’ e entramos na época do ‘Freud Implica’.
Por isso, não entendo a razão pelas quais terroristas, assassinos, assaltantes e narcotraficantes, quando menores de 16 anos, sejam isentados de responsabilidade pelas leis brasileiras, apesar de imersos num mundo midiático que lhes transmite, diuturnamente, toda a experiência captada em várias partes do planeta Terra. Alguém criado nesse caldo de cultura humanística não pode ser considerado inimputável quando pratica atos criminosos. Atravessamos um novo momento Histórico... As leis precisam ser adaptadas aos avanços do Mundo.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).

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